Entre o fim de julho e o início de agosto, no período mais difícil da evolução da pandemia no Brasil, o Estado publicou uma série de editoriais que não apenas abordavam o papel central desempenhado pelo sistema público de saúde no socorro aos doentes, como também os grandes desafios impostos ao SUS pelo novo coronavírus, além, é claro, das deficiências crônicas do sistema, como a desatualização da tabela de procedimentos e a falta de investimentos. Em suma, avizinha-se uma tempestade perfeita que poderá levar o SUS ao colapso em 2021 se nada for feito para reverter essa nefasta tendência.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2021 prevê R$ 123,8 bilhões para a saúde. O valor representa uma queda de cerca de R$ 40 bilhões em relação ao orçamento da área aprovado para este ano, considerando no cálculo o aporte dos créditos extraordinários que foram aprovados para o combate à pandemia.
Os recursos previstos são insuficientes até mesmo para o custeio dos serviços regulares prestados pelo SUS, há muito subfinanciado. Especialistas em gestão de saúde pública ouvidos pelo jornal Valor alertaram para o fato de que a pressão sobre o SUS decorrente da pandemia ainda não cedeu por completo e a ela se somará, em breve, a retomada de atendimentos eletivos que foram sustados em 2020 pelo receio de muitos pacientes de acorrer aos hospitais e contrair o novo coronavírus. “O risco de colapso do SUS não é mais devido à covid-19 apenas, mas também pela falta de recursos para suprir demandas não atendidas este ano e que devem ter consequências no ano que vem”, alertou o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da Fundação Getúlio Vargas.
Além desses dois problemas, que já são alarmantes por si sós – os reflexos da pandemia sobre o SUS, que ainda vão perdurar por muito tempo, e a retomada dos atendimentos represados –, outros dois não podem sair do radar de governantes e parlamentares. O primeiro é a mudança demográfica da população brasileira, que envelhece. Isso aumenta a complexidade dos atendimentos prestados no âmbito do SUS e, consequentemente, os seus custos. Outra fonte de pressão sobre o sistema público de saúde é o aumento do número de usuários em decorrência da crise econômica. É cada vez maior o número de brasileiros que deixam de pagar por um plano de saúde particular e passam a depender exclusivamente do SUS.
Por todas essas razões, é absolutamente inconcebível que o SUS receba menos recursos em 2021 do que tem recebido neste ano. A menos que a destruição definitiva de uma das maiores conquistas da sociedade brasileira seja o desiderato dos que têm em suas mãos a capacidade de agir agora para evitar o pior logo adiante. Não é crível que seja este o espírito que anima homens e mulheres no Executivo e no Congresso.
Do ponto de vista material, o SUS foi bastante aparelhado durante a pandemia. De nada adiantará este legado se não houver recursos para manter os equipamentos funcionando e servindo aos pacientes. Não menos importante é o cuidado que se deve ter com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e todos os demais profissionais da área da saúde que atuam no SUS e não têm sido devidamente valorizados.
Ter um sistema público de saúde universal e gratuito foi um inequívoco desejo da sociedade, a ponto de ser inscrito na Constituição. Isso custa muito dinheiro. Mas custo ainda maior – imensurável – seria não o ter. Cabe ao Executivo e ao Legislativo encontrar as soluções para fazer valer um direito de todos os brasileiros.
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