terça-feira, 27 de outubro de 2020

A fila cresce na bolsopandemia

É um desastre administrativo sem precedentes. A quantidade de processos atrasados na Previdência ultrapassou 4,4 milhões. Estão pendentes mais de 3,6 milhões de perícias e 788 mil avaliações de assistência social, atestam os dados oficiais auditados no dia 30 de agosto.

Por trás das estatísticas, está uma multidão sem rosto, de pobres com algum tipo de incapacidade, dependentes das aposentadorias e pensões ainda não reconhecidas. O número de vítimas desse congestionamento no INSS já equivale a 60% dos habitantes do Rio. Supera a população da Baixada Fluminense.

A confusão nada tem a ver com falta de dinheiro. É desleixo burocrático mesmo, com limitada contribuição da pandemia — o volume de processos atrasados aumentou um terço entre março e agosto. No caos florescem interesses de corporações, como a dos médicos peritos.



É reflexo da falta de liderança. Mas isso, naturalmente, não está na agenda de Jair Bolsonaro, mais preocupado com a reeleição sob a bandeira do retrocesso secular, numa fraudulenta defesa do liberalismo. Na bolsopandemia, ele já desperdiçou dinheiro público com químicos inócuos, redefinindo o charlatanismo na política.

O filme é antigo. Foi visto há 170 anos, quando a febre amarela aportou a bordo de um navio de bandeira americana, devastando o império de Pedro II. Em abril de 1850, o senador mineiro Bernardo Pereira de Vasconcellos, defensor da escravidão, foi à tribuna do Senado para pregar a “liberdade” de ficar doente, sem interferência do governo: “Peço que me deixem curar com charlatães quando entender que me podem servir melhor do que os senhores doutores”. Morreu duas semanas depois, de febre amarela.

O presidente agora propõe uma revolta da vacina, como a de 1904. É ardil de campanha, conveniente para encobrir a tragédia de 157 mil mortes e a incapacidade de resolver problemas governamentais que se agravam, como o do INSS. No melhor cenário, estima o Tribunal de Contas da União, o último dessa fila só será atendido dentro de 34 meses, por volta de agosto de 2023. Ou seja, no próximo governo.

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