Ainda há um longo caminho a percorrer até que as vacinas cheguem aos centros médicos, como se apressou a alertar a Organização Mundial de Saúde. Mas pelo menos há motivos reais para se ter esperança. E o Brasil, vice-campeão mundial da pandemia com seus 80 mil mortos, precisa começar a debater o modelo de desenvolvimento que pretende adotar.
Por enquanto saíram das pranchetas do governo programas com nomes patrióticos, como a carteira de trabalho verde e amarela, que permite a contratação de jovens com menores encargos trabalhistas, e o programa de renda mínima chamado Renda Brasil, uma espécie de reedição modificada do Bolsa Família.
Os desafios que aguardam o Brasil no período pós-pandemia, porém, parecem exigir respostas mais ousadas. Respostas que ajudem a reposicionar o país no cenário internacional. O governo aposta nos investidores internacionais como protagonistas da retomada do crescimento. Mas os investidores têm emitido sinais de que olham o Brasil com preocupação
As mesmas cores da bandeira nacional adotadas pela propaganda governamental podem ajudar a esclarecer o quadro. Um grande sinal amarelo foi emitido por empresas e governos, especialmente da Europa, em direção ao Brasil. Advertências de que as contínuas queimadas na Amazônia e a falta de cuidado com populações indígenas, inclusive durante a pandemia, terão consequências.
A primeira luz amarela foi vista após o anúncio do acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia. As políticas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro na área ambiental levaram a uma espécie de congelamento do acordo, que ainda passa por análise jurídica e precisa ser formalmente assinado, antes de submetido à ratificação pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos nacionais dos países do Mercosul.
O presidente da França, Emmanuel Macron, tem sinalizado que não pretende assinar o acordo se forem mantidas as atuais políticas ambientais no Brasil. Parlamentares da Holanda também já indicaram que apresentarão suas exigências para ratificar o texto.
Depois foi a vez de um grupo de investidores internacionais apresentar as suas preocupações ambientais ao vice-presidente Hamilton Mourão. São responsáveis por bilhões de dólares em investimentos por todo o mundo, que poderão manter distância do Brasil caso não identifiquem mudanças concretas nos rumos do atual governo. Eles temem ser identificados com políticas públicas vistas com desconfiança por seus sócios e clientes.
Pelas lentes dos principais países emissores de investimentos na Europa e na América do Norte, o Brasil está diretamente conectado à questão do meio ambiente. Ainda que o país venha a apresentar-se como um porto seguro para investidores, com regras estáveis e grande potencial de crescimento, o tema ambiental estará cada vez mais presente nas decisões empresariais e governamentais tomadas nesses países.
Um bom exemplo da importância do tema está em um livro que acaba de ser publicado nos Estados Unidos: "O Mundo, uma breve introdução" (em tradução livre), do diplomata Richard Haass, presidente do Council on Foreign Relations, uma organização independente de análise das relações internacionais. Ele trabalhou diretamente com o ex-presidente George W. Bush e o secretário de Estado Colin Powell.
O livro “explica como o mundo realmente funciona, como está mudando e por que isso importa”, segundo as palavras de outra ex-secretária de Estado (desta vez no governo de Bill Clinton), Madeleine Albright.
Na obra, o Brasil é citado cinco vezes. Da primeira vez ao se observar que, no Brasil e na Argentina, democracia e populismo “permanecem em tensão”. Da segunda para lembrar que a população brasileira já ultrapassa 200 milhões de habitantes. A terceira menção informa que o Brasil está lidando com “corrupção endêmica”. As duas últimas estão ligadas ao tema ambiental.
Haass questiona se o Brasil vai “agir responsavelmente” na proteção da floresta amazônica, cuja preservação ele recorda ser “crítica para os esforços globais de combate à mudança climática”. Em seguida, o autor ressalta a importância do Brasil e da Indonésia na questão ambiental.
“São dois países cujas florestas estão encolhendo e, a não ser que seus governos tomem medidas para proteger essas florestas, a resposta à mudança climática será mais difícil”, escreve Haass. “O desmatamento é uma causa significativa para o aquecimento global, responsável por boa parte das emissões globais de carbono”.
Já está claro inclusive para o atual governo que a imagem do Brasil no exterior se deteriora em velocidade semelhante à do desmatamento na Amazônia. Por isso, a questão ganhou importância e passou a ser cuidada diretamente pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Isso não significa, porém, que o governo tenha novas ideias a oferecer ao mundo.
E aqui se encontram dois temas aparentemente distantes. Por um lado, o Brasil precisa estabelecer uma estratégia para retomar o crescimento da economia após o fim da pandemia. Por outro, tem que apresentar uma resposta aos que o acusam de haver adotado um modelo predatório de desenvolvimento.
Até aqui, o Brasil tem apenas reagido às pressões que vêm de fora. Representantes do governo e parlamentares ligados ao agronegócio reiteram que as pressões estão pouco ligadas a uma preocupação ambiental e mais motivadas por interesses econômicos. Apenas recentemente importantes produtores rurais passaram a alertar que as luzes amarelas acesas no exterior podem vir a prejudicar suas próprias exportações.
O verde entra em campo aqui. Para superar o desafio, o Brasil precisará deixar de ser reativo e adotar uma postura propositiva. Essa mudança tem poucas chances de acontecer no atual governo. Mas pode ser decisiva na elaboração de um novo modelo de desenvolvimento que o país venha a adotar nos anos que se seguirão à pandemia.
O tema ainda é novo no meio político. Mesmo assim, começa a ficar para trás a velha dicotomia entre representantes de produtores rurais e defensores do meio ambiente.
A primeira demonstração da nova tendência foi a inédita união, na Câmara dos Deputados, das frentes parlamentares ligadas aos dois grupos pela ratificação do Protocolo de Kyoto, que garante aos países ricos em biodiversidade, como o Brasil, participação nos resultados econômicos de produtos criados a partir de espécies provenientes de sua diversidade biológica.
O potencial desse novo modelo econômico, que pode unir a boa agricultura à preservação ambiental e à utilização industrial de insumos da floresta, começa aos poucos a ser percebido no mundo político.
Aos olhos do mundo, no pico da pandemia, o Brasil permanece em observação. Se o momento é difícil, porém, também apresenta uma grande oportunidade. O país depende apenas de si mesmo para superar desconfianças e projetar-se como uma potência agrícola e ambiental, com papel de liderança na nascente bioeconomia.
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