Metas de pobreza foram instituídas na década passada no Canadá, na Nova Zelândia e no Reino Unido (nestes dois últimos, especificamente, para a pobreza entre crianças). Se o teto de gastos estabelece limites para a despesa, o teto da PEC 11 estabelece anualmente limites para a pobreza infantil. Se o descumprimento do teto de gastos aciona gatilhos para controlar a despesa (como proibição de aumentos salariais), o descumprimento do teto de pobreza igualmente acionaria gatilhos para que metas fossem cumpridas.
No Brasil, cerca de 40% das crianças de até 14 anos vive abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial. É a faixa etária mais afetada pela pobreza no País, de forma desproporcional. A situação é pior para as crianças negras na primeira infância: cerca 60% vive na pobreza, e 20% na pobreza extrema. As estimativas são do pesquisador Daniel Duque (Ibre-FGV), usando os dados recém-divulgados de 2019 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
Na PEC 11, há dois tetos para a taxa de pobreza infantil. Enquanto ela estiver acima de 10%, aciona-se o gatilho para que mais crianças sejam acolhidas no Bolsa Família. Hoje, somente podem receber benefícios aquelas de famílias que vivem com menos de R$ 6 por dia para cada pessoa. E enquanto a taxa de pobreza entre as crianças estiver acima de 30%, aciona-se o gatilho para que o valor do Bolsa seja maior: hoje ele é inferior a R$ 1,50 por dia. Como ocorre com as regras orçamentárias, a desobediência levaria a crime de responsabilidade.
Não haveria elevação de déficit ou dívida. Na PEC, de iniciativa de 27 senadores – Alessandro Vieira o primeiro autor –, um fundo anticíclico custearia a elevação de gasto, e sua principal receita seria uma tributação progressiva sobre os ganhos de grandes instituições financeiras. Os lucros passariam a ser reinvestidos na infância. A PEC faculta ainda que qualquer despesa da União seja revertida para o combate à pobreza infantil, concretizando uma previsão que já consta da própria Constituição de 88: a de que o direito à vida, à alimentação e à saúde das crianças é prioridade absoluta. A lógica é intuitiva: enquanto houver criança na pobreza, outras despesas podem esperar. O ajuste fiscal ganha sentido.
A ênfase de variados governos em anos recentes na infância, e em particular na primeira infância, vem de uma florescente literatura científica evidenciando o retorno para sociedade do investimento nesta fase da vida. Evitar que crianças vivam em um ambiente de estresse e privações em uma época-chave para o seu desenvolvimento levaria a cidadãos mais prósperos e aptos a contribuir para a sociedade no futuro – combatendo a pobreza e a desigualdade de forma mais estrutural.
É evidente, porém, que transferências de renda não bastam. É essencial facilitar a inclusão no mercado de trabalho dos pais, especialmente das mães – frequentemente muito jovens (uma agenda que, infelizmente, ainda é encarada no Brasil como “perda de direitos”). São igualmente fundamentais o investimento na educação infantil e em práticas de desenvolvimento infantil – uma bela referência é o Mais Infância Ceará. O próprio fundo a ser criado pela PEC 11 (Fundo Anticíclico de Combate à Pobreza) se destina à premiação de Estados e municípios com avanços na área social.
Mesmo o teto inferior de pobreza infantil, de 10%, é conservador: ainda implicaria 4 milhões de crianças vivendo abaixo da linha da pobreza. O número talvez impressione porque naturalizamos por tempo demais nossa situação. Ter 40% de crianças na pobreza significa 17 milhões de pessoas. Negligenciamos uma Holanda inteira. O que vamos fazer até o próximo Dia das Mães?
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