No mesmo dia em que as principais autoridades do Judiciário e do Legislativo manifestavam pesar pelos milhares de concidadãos mortos e rogavam aos brasileiros que se unissem na luta contra a pandemia, circularam pelas redes sociais imagens do presidente Jair Bolsonaro a passear de moto aquática pelo Lago Paranoá, em Brasília, divertindo-se à beça. A este senhor, que brinca de ser presidente, não basta incitar seus camisas pardas vestidos de verde e amarelo a desafiar as instituições republicanas e a intimidar jornalistas; é preciso tripudiar sobre o sofrimento dos milhares de brasileiros que morreram e dos milhões que ora se encontram em quarentena, abrindo mão de sua vida social e enfrentando as agruras do desemprego e da redução de renda.
E mais: enquanto os governadores e prefeitos lutam para convencer seus governados a ficar em casa, única forma de retardar o colapso do sistema público de saúde – que já se verificou em diversos Estados –, o presidente avisa que vai ampliar, por decreto, o número de atividades consideradas essenciais e, portanto, livres de restrições durante a pandemia. “Vou abrir, já que eles (governadores) não querem abrir, a gente vai abrindo aí”, declarou Bolsonaro, como se a quarentena fosse uma escolha, e não um imperativo. Respeitados especialistas dizem, aliás, que o ideal seria impor desde já o chamado “lockdown”, isto é, a radicalização do isolamento social – o exato oposto do que Bolsonaro defende.
Compreende-se a dificuldade de fazer com que os cidadãos aceitem o isolamento social, o que inclui pôr em risco a própria sobrevivência e a da família em muitos casos. A situação fica ainda mais dramática à medida que a quarentena se estende no tempo. Portanto, é razoável esperar uma progressiva queda na adesão ao esforço coletivo para reduzir o contágio, mas está claro que essa queda tende a se acentuar quando a mensagem das autoridades a respeito da pandemia é confusa e fragmentada.
Se o presidente usa sua destacada posição de principal dirigente da República para, além de debochar dos mortos e dos que estão sofrendo, incitar os cidadãos a ignorar a quarentena imposta por governadores e prefeitos como se fosse desnecessária, não surpreende que muitos o façam. Em vez de inspirar os cidadãos a aceitar a responsabilidade de cada um no enfrentamento da pandemia, o presidente estimula o fracionamento da autoridade – o que, no limite, leva à desobediência e ao caos. Para complicar, o Ministério Público ainda colabora para minar a credibilidade dos governos estaduais e das prefeituras ao criar caso com compras emergenciais de equipamentos médicos, ignorando que, neste momento, eventuais irregularidades, previsíveis numa operação dessa magnitude, são o menor dos problemas diante da urgência urgentíssima.
O enfrentamento desta crise, que caminha para ser a maior da história do Brasil, depende, fundamentalmente, de harmonia entre as diversas autoridades, em todas as esferas, resguardadas as prerrogativas de cada uma, conforme o espírito da Federação. E depende de articulação dedicada entre o presidente, seus ministros, os governadores e os prefeitos, além do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público. Obviamente não é fácil, como ficou claro na maior parte dos países do mundo, às voltas com atropelos no combate à covid-19. Mas é muitíssimo mais difícil, quase impossível, quando se tem um presidente que, tal como um adolescente birrento e mandão, é absolutamente incapaz de ver o mundo além do próprio umbigo.
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