A extravasada ira contra aqueles que apenas lhe dirigiam perguntas, postados num cercadinho miserável como gado a ter de aguardar as profanações do feitor, dão conta de um mandatário que não possui o mínimo senso de compreensão da atividade jornalística — cujo fundamento, precípuo, é o de retratar fatos de interesse público, transmitindo-os à população, que tem o direito de ser informada. Jair Messias Bolsonaro, que não se cala nunca e busca fazer encenação politiqueira de qualquer circunstância, mesmo das tragédias como a da Covid-19, tenta “moldar” os fatos a sua maneira. A verdade não se pauta por subterfúgios recorrentes. Quando mandou os entrevistadores calarem a boca, o capitão repetiu uma cena marcante dos momentos mais insidiosos da ditadura militar, na qual o então general Newton Cruz, nos idos de 1983, questionado sobre os retrocessos democráticos, quis silenciar o repórter Honório Dantas, com um “cala a boca” que descambou para a agressão física. A prepotência bolsonarista — vendida também por intermédio das falanges de veneradores e do gabinete do ódio — foi às vias de fato contra enfermeiros e jornalistas em dois episódios, na véspera e anti-véspera da admoestação presidencial.
Diferentes na forma, semelhantes no método. Inaceitável, indecoroso, repulsivo. Cala a boca o senhor, presidente! Ninguém aguenta mais tanto descomedimento. Vá com a sua incitação à desordem pública para lá. Reserve o descaso do “e daí?” para a sua tribo. Quem está pensando que é? As respostas que na ocasião não vieram à altura de suas agressões dão sinal da cordialidade e educação do povo que o senhor não sabe conduzir. Deveria aprender ao menos noções preliminares dessa natureza cordata. Não o provoque muito. Tudo tem limite e o da paciência de seus eleitores, como mostram as pesquisas, já transbordou. Esbanjar braveza para quem não lhe oferece resistência é o máximo da covardia. Cala a boca por que, presidente? O que aqueles jornalistas estavam lhe questionando que tanto o incomodava? Por acaso as notórias interferências na Polícia Federal, admitidas em seus próprios posts, eram fábulas da carochinha? Não parece. Ofender pessoalmente é o recurso dos pobres de argumento. Dos rasos de ideia. Dos sem noção. É o senhor dá demonstrações incessantes de agir segundo esse manual. Cala a boca o senhor, presidente! Para nos poupar desse ódio avassalador que faz tanto mal, das diatribes fora de propósito, das sugestões irresponsáveis e inconsequentes sobre desobediência à quarentena. O senhor vocaliza que a “gripezinha” não mataria nem 800 e quando ela mostra um número dez vezes maior vem com o seu debochado “E daí?”. E daí, lhe diria presidente, que milhares de famílias estão agora chorando seus mortos, desoladas no luto, sem qualquer amparo ou palavra de consolo daquele que deveria se apresentar como comandante e não passa de um bufão de palanque. Se quer silenciar o diálogo, cala a boca o senhor, presidente! Por que nós não vamos nos calar. A comunicação está nas nossas veias, na natureza da atividade, no nosso conceito de vida e democracia. E isso não se cala na marra. Nem com mordaças, como tentaram lá atrás. Cala a boca o senhor, presidente! Que precisa aprender o que é civilidade, princípios republicanos, decência e liturgia do cargo. Cala a boca já morreu, mas esses aqui servem apenas para mostrá-lo como eles machucam os ouvidos. Como atinge e dói fundo na alma. Não vamos nos calar.
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