terça-feira, 7 de abril de 2020

O tempo da peste

Este artigo é, mais do que nunca, uma garrafa que lanço ao mar do tempo. Escrevo no início da reclusão, rodeada por uma cidade silenciosa e cativa, caracóis frágeis ocultos atrás da concha que só mostramos nosso fraco corpo na hora do aplauso, nas sacadas. E vocês o estão lendo duas semanas depois, ainda trancados e, receio, com muitos dias de clausura pela frente. Imagino a mim mesma dentro 15 dias, junto com vocês; as raízes brancas dos meus cabelos tingidos estarão mais crescidas e serão um memento da fugacidade da vida (que grisalhos muitos de nós sairemos do isolamento; pensando bem, o debate sobre a abertura dos salões de cabeleireiros era existencial). Mas, fora isso, suponho que tudo será mais ou menos igual. Continuaremos navegando pelas águas profundas do intenso tempo da peste.

Com que facilidade o coronavírus levou essa miragem de segurança e de controle em que vivíamos nas sociedades modernas. É uma derrota especialmente humilhante porque o vírus é um pontinho tão diminuto que não se vê com microscópios ópticos. É um caroço de ácido nucleico e proteína que nem sequer está totalmente vivo: é como o zumbi dos agentes infecciosos. E essa ninharia derrubou o planeta. A humildade deve ser nosso primeiro aprendizado.

Às vezes, sobretudo quando jovem, quando ainda ignorava muito de mim mesma, eu me perguntava como teria reagido em certas situações históricas críticas. Na Alemanha nazista, por exemplo: teria sido capaz de esconder um judeu, com o perigo que isso representava? Pois bem, agora estamos enfrentando nossa circunstância crítica. É uma prova tremenda, inesperada. É a nossa prova. O resto de nossos dias ficará marcado pelo que fizemos ou não fizemos, pela forma como nos comportamos nesta anomalia colossal.

Falo desses descerebrados, nada solidários, que se foram a abarrotar e infectar praias como se estivessem de férias (a propósito: eram uma minoria da população de Madri; cair no estereótipo do ódio ao madrilenho é outra atitude descerebrada); esses garotos ignorantes que brincam de burlar a autoridade e se reúnem nos apartamentos dos amigos (vocês são potenciais assassinos); esses espertalhões egoístas que esvaziam os supermercados; esses canalhas que se disfarçam de médicos para entrar nas casas para roubar. Ou esses miseráveis que criam notícias falsas sobre a Covid (acabo de escutar o áudio de uma suposta doutora despejando torrentes de dados mentirosos para justificar que devemos abandonar o isolamento). Todos esses indivíduos, em suma, cada um na sua medida, escolheram passar à história, sua própria história e memória, como uns porcos.

Mas não me refiro apenas à esfera social. O maior desafio é o interior. Como viver a vida quando você fica sem truques defensivos ou disfarces? A vida crua e limpa no lento e incandescente tempo da peste. Entre os piadas maravilhosas e reconfortantes que circulam nas redes (bendita tecnologia que nos une), recebi esta: "Uma amiga diz que, com este isolamento em casa, tem conversado um bom tempo com o marido e o achou muito simpático".

Esta é a questão: tentemos achar-nos simpáticos. Ou tentemos simplesmente nos achar. Quando o barulho e o movimento incessante param, fica o real. Aguentar semanas com crianças que você costuma encostar em algum lugar. Conviver de verdade com o seu companheiro em um espaço estreito e aprender não só a escutá-lo, mas também a respeitar sua ausência na presença. Suportar a sua solidão, se você mora sozinho, e conseguir se sentir confortável nela. E, acima de tudo, gerenciar bem o tempo. Em vez de perdê-lo, queimá-lo, jogá-lo fora (a vida é isso que acontece enquanto nos ocupamos com outra coisa, de acordo com uma suposta frase de John Lennon), como fazíamos na agitação da normalidade, agora temos uma oportunidade única para habitar o presente. Para preencher de consciência e vontade cada minuto. Para discernir entre o essencial e o supérfluo. Vamos tentar fazer com que esta prova e a dolorosa ressaca econômica que virá, nos ensine pelo menos a ser um pouco melhores.

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