terça-feira, 7 de abril de 2020

Ameaça a Mandetta reflete o que é Bolsonaro

A fritura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é típica de um governo como o de Bolsonaro, em que a lógica cartesiana costuma ser contrariada por outras condicionantes. Pelo perfil psicológico do presidente e/ou por crenças ideológicas dele, da família e de quem os cerca. Não é lógico e depõe contra a inteligência agredir a China, o maior parceiro comercial do país, e de quem o Brasil precisa de ajuda para enfrentar a epidemia de coronavírus. Mas, nesta espécie de mundo paralelo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, faz crítica à China, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, segue atrás e põe na rede uma brincadeira de mau gosto e de má-fé com os chineses. Não estão preocupados com assuntos de governo e de Estado, apenas com suas crendices sectárias.

Por isso, Mandetta, cuja atuação na epidemia da Covid-19 é aprovada por 76%, segundo pesquisa recente do Datafolha, corre risco de ser mandado embora e no momento em que a crise de saúde inicia sua fase de agravamento. Os sensatos que estão na cúpula do governo ajudaram a convencer ontem o presidente a não cometer o desatino. Há algum tempo Bolsonaro tem demonstrado conviver mal com esta popularidade, ameaçando usar a caneta contra aqueles que “viraram estrelas”. Mais explícito, só se citasse o nome. Talvez falte ao ministro da Saúde o cuidado que tem o colega Paulo Guedes, da Economia, de sempre consultar o chefe. Mesmo ungido superministro, Guedes deve ter considerado a necessidade de ser cauteloso diante do estilo impulsivo de Bolsonaro, mesmo que atue numa área em que teoricamente seria mais difícil Bolsonaro dar ouvidos a outros.

Não se deve arriscar. Ou talvez Mandetta devesse ter o cuidado de Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, escalado nas apostas como concorrente de Bolsonaro em 2022. Moro fez defesas de teses caras ao presidente, caso do “excludente de ilicitude”, entre outros gestos.


Cair ministro é parte do jogo de poder. O grave é o que pode significar a saída de Mandetta, responsável, com sua equipe, por adotar no Brasil o isolamento social, como indicam a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a grande maioria dos médicos e especialistas. Reduzir a um mínimo a circulação das pessoas retarda a disseminação do coronavírus e dá tempo ao sistema de saúde, público e privado, de preparar-se para atender a um forte crescimento da demanda por leitos, principalmente de terapia intensiva.

Os contornos da tragédia desta pandemia estão sendo desenhados pelas muitas mortes decorrentes do erro de avaliação de alguns governos, como o que Bolsonaro cometerá se trocar Mandetta por alguém sensível ao seu argumento de que manter as pessoas em casa — com exceção dos trabalhadores em áreas vitais — é destruir empregos e salários, levando o país a uma crise nunca vista. Bolsonaro não se preocupa com um avanço rápido da epidemia, porque — mesmo que não diga — considera que um número maior de mortes será compensado pela preservação dos setores produtivos, a tempo de o crescimento voltar bem antes das eleições de 2022. Engana-se, como vários estudos acadêmicos provam. E ainda incorrerá na questão ética de desprezar vidas em nome de um projeto eleitoral.

Uma grande crise econômica haverá de qualquer forma, mas seu governo a tornará mais grave se atrasar bastante a retomada ao permitir o que está acontecendo nos Estados Unidos, na Itália e na Espanha. Seus governos demoraram a se convencer de que deveriam fazer um rígido isolamento social, e o número de seus mortos ultrapassa os 3.300 da China. Nos Estados Unidos, passaram ontem dos 10 mil. O Norte da Itália antecipou o que poderá acontecer no Brasil: a morte de um grande número de idosos infectados por filhos e netos na volta para casa depois do trabalho. O destino de incontáveis famílias pobres poderá ser decidido pela caneta de Jair Bolsonaro.

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