Após anunciar a seus assessores no Planalto que iria demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sob alegação de que ele insiste em defender o padrão internacional e nacional para controle do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro mandou convocar uma reunião ministerial às 17 horas, decidido a humilhar Mandetta perante o colegiado. Eufórico e exultante, o secretário informal da Comunicação Social, Carlos Bolsonaro, ordenou que os assessores “vazassem” a notícia. Foi um erro de jornalista amador, que não sabe a hora certa de passar a informação.
A demissão era certa, mas um dos telefones celulares tocou no gabinete, Bolsonaro atendeu e teve uma das maiores decepções de sua vida, porque recebeu a ordem de manter o ministro da Saúde. Foi uma ordem, a palavra é esta, mesmo.
Desconcertado, o presidente rumou para a sala de reuniões ministeriais e tocou o barco, como dizia Ricardo Boechat. O que aconteceu lá dentro ninguém quer informar, mas vamos acabar sabendo, porque, em tempo de imprensa livre, tudo acaba sendo revelado.
A única informação concreta foi dada pelo vice-presidente Hamilton Mourão, ao atender a um telefonema da repórter Andréia Sadi, da TV Globo. Com seu estilo de jamais deixar uma pergunta sem resposta, o general foi sintético: “Mandetta segue no combate, ele fica. Tratamentos de cenários, como a flexibilização do isolamento, no futuro”.
Ou seja, Bolsonaro saiu derrotado em toda a linha. Além de não conseguir demitir Mandetta, ainda teve de manter as regras de isolamento determinadas pelo Ministério da Saúde com base nas recomendações da Organização Mundial de Saúde. E a sonhada flexibilização, que o presidente da República queria impor por decreto ou medida provisória, passou a ser assunto “no futuro”, na informação do general Mourão.
Na noite desta segunda-feira, Jair Messias Bolsonaro passou a ser o homem mais solitário do planeta. Na imensidão dos jardins do Palácio da Alvorada, ele olhou para a frente, naquele horizonte interminável de Brasília, e tentou antever o futuro, mas não enxergou nada, absolutamente nada.
Ao tentar demitir Mandetta, o presidente da República se comportou de maneira infantil e inconsequente, bem a seu estilo de pensar (?) que é o dono do Brasil, mas este país não pertence a ninguém, é coisa pública (res publica, como diziam os romanos).
De uma só tacada, o chefe do governo conseguiu a façanha de desagradar a pelo menos 76% dos brasileiros, que estão apoiando as decisões do Ministério da Saúde, segundo a pesquisa recentemente divulgada, que a ala ideológica ligada a Bolsonaro contesta e encara como teoria conspiratória…
O presidente descontentou, também, a grande maioria dos deputados e senadores, agindo como se fosse possível governar sem apoio da base aliada, algo inalcançável nos países em desenvolvimento, seja no presidencialismo ou no parlamentarismo.
Além disso, conseguiu decepcionar os ministros do Supremo Tribunal Federal, que também já cansaram de se manifestar a favor da obediência às normas internacionais e nacionais.
E o pior foi decepcionar a oficialidade das Forças Armadas, ao tentar demitir o ministro Mandetta logo após a divulgação do documento oficial do Centro de Estudos Estratégicos do Exército, que recomenda a manutenção do isolamento social adotado pela Organização Mundial de Saúde e pelo Ministério da Saúde, apesar da posição intransigente do presidente da República.
Para os oficiais superiores, Bolsonaro não está se comportando como militar, porque na função de presidente ele teria obrigação de acatar os pareceres técnicos dos especialistas, sobretudo em situação de calamidade. Ao pretender mudar as regras médicas e sanitárias, estaria agindo de forma totalmente irresponsável.
Essa atitude de Bolsonaro foi considerada também uma de provocação ao Supremo, que terá de julgar a notícia-crime contra o presidente, apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), sob acusação de colocar em risco a saúde da população.
Os sete partidos de oposição ao governo federal (PT, PDT, PSB, PCdoB, PSOL, Rede e PCB) também decidiram ingressar com outra notícia-crime no Supremo contra o presidente, por crime comum, ao descumprir as orientações sanitárias e cumprir admiradores na manhã do dia 29. Ou seja, Bolsonaro está brincando com a verdade, em momento de crise.
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