As Forças Armadas ficaram em silêncio durante um dia inteiro. No começo da noite de ontem, o Ministério da Defesa disse que as Forças Armadas trabalham “com o propósito de manter a paz e a estabilidade” e disse que são obedientes à Constituição. Em seguida, a nota passa a falar do assunto que deveria concentrar todas as atenções de Bolsonaro, a pandemia para a qual “nenhum país estava preparado”. Eu falei com dois generais que participam do governo. Um deles disse que o Estado Democrático de Direito é o pilar desta geração que está agora no comando das Forças Armadas. “Não existe a mínima possibilidade de aventuras golpistas.” Mas esse integrante do governo acha que o único reparo a fazer é o local. “Foi ruim o local, nada além disso.” Outro general disse que Bolsonaro é “um ex-militar que virou político” e completou que tem absoluta certeza de que as “Forças Armadas não se prestam a aventuras”.
O problema é que há muita ambiguidade. A ordem do dia de 31 de março exaltava o golpe, dizendo que ele fora feito para defender a democracia. O presidente usa símbolos do Exército – o dia, o local – para passar a mensagem de pedido de intervenção militar. Portanto, era hora mesmo de as Forças Armadas falarem oficialmente sobre o seu compromisso com a ordem democrática.
Ontem, Bolsonaro se fez de desentendido. Alegou que nada falou contra a democracia na manifestação e que o ato foi pela volta ao trabalho. Ora, presidente, não faça tão pouco da inteligência alheia. A presença física do chefe do Executivo, comandante em chefe das Forças Armadas, já era suficiente. Significa endosso ao que estava escrito nas faixas e ao motivo da convocação.
Desde domingo, houve fortes declarações de repúdio ao que o presidente disse. De ministros do Supremo, do presidente da Câmara dos Deputados, dos órgãos da sociedade civil. É preciso mais que palavras, porque Bolsonaro não pode mais continuar brincando com as instituições. Ele não pode continuar sendo leviano como tem sido. Essa não é a primeira manifestação antidemocrática da qual ele participa e não será a última. A menos que o sistema de freios e contrapesos demonstre de forma mais clara que ele não pode mais ferir os limites constitucionais.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, conseguiu a proeza de iniciar um inquérito sobre as manifestações, mas, de cara, afastando qualquer risco para o presidente. Vai investigar o evento em si, sua organização, e alguns “cidadãos e deputados”. Pede para fazer um inquérito contra pessoa indeterminada, mas já indicou que o presidente não é alvo. O que um procurador que eu ouvi explica é que houve vários erros na decisão do PGR:
– A petição não pode ser sigilosa. Há interesse público na divulgação. E o fato é público, praticado à luz do dia e filmado. A boa investigação seria apurar o que o presidente foi fazer lá e o que fez e apurar quem organizou essa manifestação. A investigação não pode ser genérica, tem que ser contra uma autoridade determinada.
As democracias não morrem mais como antes, com militares, tanques e blindados desfilando nas avenidas das grandes cidades. Eles morrem aos poucos, quando um chefe de governo sem apreço pela democracia vai minando diariamente a força dos poderes, como foi feito pelo coronel Hugo Chávez na Venezuela. Em reportagem que fiz na Venezuela, sobre a qual já falei aqui algumas vezes, me impressionava exatamente a falta de reação das instituições. O coronel se cercou de militares e era isso que se via em Miraflores, uma presidência militarizada. Chávez atacava diariamente a imprensa, os partidos que não se submetiam a ele, a Justiça e estimulava a polarização. Nos seus discursos, ele dizia falar pelo povo. Chávez dizia que, com ele, o povo estava no poder. O populismo é assim.
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