O caso brasileiro é de outra ordem. Não se trata de lamentar a ausência de lideranças magnânimas e altruístas. Aqui, o problema é básico. Desde 2003 o País tem assistido a uma sucessão de presidentes que, eleitos para governar, não governam, preferindo fazer do mandato uma contínua campanha eleitoral, seja para sua reeleição, seja para a eleição de seu sucessor.
A exceção foi o presidente Michel Temer, que buscou de fato governar, sem submeter o interesse público a questões eleitorais. No entanto, o interregno durou pouco. Tão logo assumiu o cargo, o presidente Jair Bolsonaro mostrou, sem maiores pudores, que reinstalaria a prática petista de não descer do palanque.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi exímio manobrista da cadeira presidencial para fins eleitoreiros. Nos oito anos em que esteve no Palácio do Planalto, Lula orientou toda a ação do governo, em seus mais variados âmbitos, em benefício da empreitada eleitoral do PT.
São abundantes, nos dois mandatos de Lula, os exemplos de captura do Estado para fins partidários. Ainda que contasse com o apoio da maioria do Congresso, Lula não realizou nenhuma reforma estruturante, receoso de que eventual aprovação poderia trazer riscos para sua reeleição ou para a eleição de seu sucessor. Com esse critério eleitoral a guiar o governo, Lula também não fez nenhuma ação que contrariasse, por exemplo, os interesses das corporações do funcionalismo. Os privilégios foram mantidos intactos. Além disso, valeu-se amplamente de nomeações nas estatais, agências reguladoras e cargos comissionados para o aparelhamento do Estado.
Candidata inventada a partir dessa lógica eleitoreira, a presidente Dilma Rousseff, uma vez no cargo, deu continuidade ao estilo petista de não governar. Sem enfrentar os problemas nacionais, ela optou por medidas populistas, em cópia piorada do voluntarismo de seu criador.
Quando começaram a aparecer os efeitos nefastos de sua política econômica, Dilma Rousseff temeu por sua reeleição e, em vez de fazer as devidas correções, fez o diabo para esconder a realidade dos olhos da população. Colocava em prática, assim, sua famosa frase, dita em 2013, de que “nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”. Reelegeu-se em 2014, mas pouco depois o País inteiro tomou conhecimento não apenas do tamanho da crise, mas da gravidade de suas pedaladas fiscais, o que lhe rendeu o devido processo de impeachment.
Durante a campanha de 2018, o candidato Jair Bolsonaro prometeu romper com a lógica eleitoreira. Disse até que pretendia “fazer uma excelente reforma política, acabando com o instituto da reeleição, que começa comigo, caso seja eleito”. Tudo isso foi logo esquecido. Desde o início do ano passado, Jair Bolsonaro imita à risca a estratégia de Lula de não governar, estando em contínua campanha eleitoral. Além de aprofundar a divisão do País – há sempre um inimigo a inventar, até mesmo dentro do próprio Ministério –, Bolsonaro esquiva-se de tudo o que possa representar algum risco eleitoral, como é o caso da reforma administrativa.
Prometida várias vezes, até agora a proposta do Executivo não saiu do forno. Além disso, o presidente comporta-se no pior estilo da propaganda eleitoral, falsificando a realidade. “Nosso time está ganhando de goleada”, disse Bolsonaro, em coletiva no mês passado para tratar da pandemia do novo coronavírus. Maior alheamento, impossível.
Como escreveu Rosângela Bittar no Estado, “ambos, Bolsonaro e PT, recrudescem a polarização para evitar que o centro, em crescimento evidente, os atropele. Jogam para daqui a três anos sem saber o que acontecerá daqui a três horas”. Que o eleitor, nas próximas eleições, não se esqueça dessa irresponsabilidade e indiferença em relação ao País. É preciso eleger quem queira de fato governar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário