Como é espontâneo por sua natureza tosca, Bolsonaro revelou em entrevistas o que lhe aflige, o efeito da crise econômica que certamente virá recair sobre o seu governo. Não se mostra capaz de enxergar além do horizonte puramente eleitoral, e isso demonstrou ontem na reunião de governadores do sudeste, ao levar a discussão para o campo politico-eleitoral, descompensado com as críticas que acabara de receber de maneira dura, mas respeitosa, do governador de São Paulo João Doria.
Que Doria é candidato a presidente da República em 2022, ninguém desconhece. Mas, no momento, ele está se comportando como um líder diante da crise da Covid-19 que se abate principalmente sobre o Estado que governa. Bolsonaro, mesmo que vislumbre por trás dessa postura de Doria uma máscara que procura esconder sua intenção eleitoral de se contrapor a ele, mostrou-se um desastrado ao escancarar sua irritação diante de um adversário que sabe jogar o jogo político, expondo suas deficiências.
A preocupação de Bolsonaro tem razão de ser, pois com seu comportamento irresponsável diante da crise, está se abrindo um amplo caminho para o tal candidato de centro que se apresente como alternativa aos radicalismos de esquerda e direita.
Doria está aproveitando o momento para demonstrar uma capacidade de gestão que o capacita para se apresentar como essa alternativa. Cada vez mais fica claro que a preocupação de Bolsonaro com a economia do país não tem nada a ver com o bem-estar do povo, mas com a necessidade de mostrar melhorias econômicas que respaldem sua candidatura à reeleição.
A mesma situação em que se encontra hoje o presidente dos Estados Unidos, que disputará a reeleição ainda este ano. Ao mimetizar Trump, mas sem o dinheiro que o presidente americano tem a seu dispor, o presidente Bolsonaro assumiu um risco que não poderia, e precipitou-se.
O próprio Trump, ao anunciar que gostaria de ver as atividades econômicas voltando à normalidade pela Páscoa, deu-se um prazo para avaliar a situação. Bolsonaro, não. Assumiu a decisão de acabar com a quarentena imediatamente, no segundo dia de sua implantação em todo o país.
A questão não é se teremos que suspender esse confinamento, mas quando, e através de qual planejamento. Esse é o grande tema em discussão pelo mundo, mas nós no Brasil ainda não chegamos ao pico da crise da Covid-19, e tememos que ela se alastre perigosamente quando atingir as comunidades mais carentes.
Os governadores do país todo, de diversos partidos políticos, estão mobilizados mais ou menos na mesma direção, baseados nas recomendações do ministério da Saúde, que até hoje segue as orientações da Organização Mundial da Saúde. O ministro Luiz Henrique Mandetta há alguns dias já dava mostras de que tentava evitar que o presidente Bolsonaro se desagradasse de seu sucesso junto à opinião pública.
Ontem, depois de ter sido desautorizado em transmissão nacional de rádio e televisão, Mandetta deu um jeito de se aproximar ainda mais das posições de Bolsonaro, e se afastar da imagem técnica que dava segurança à população. Falou mais alto o diploma de deputado federal do que o de médico, e Mandetta se aproxima da desmoralização.
Que só não é total porque ficou de estudar a proposta de Bolsonaro. Espera-se que aproveite sua última chance para apresentar ao presidente um planejamento tecnicamente coerente para uma saída cautelosa da política de confinamento.
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