terça-feira, 31 de março de 2020

O jogo do capitão

A politização da pandemia era previsível. Afinal, a tensão que alimenta as correntes pró e contra Bolsonaro está no radar da política desde a eleição de 2018. Seu comportamento açodado nos últimos tempos joga lenha na fogueira. Não há mais arquitetura diplomática capaz de uma conciliação.

De um lado, a banda da intelligentzia, liderada por cientistas e especialistas, recomenda rígida quarentena com ênfase nas pessoas com mais de 60 anos. De outro, a ideia de abrir o portão travado da economia, com a volta ao trabalho dos que não estão na área de risco, incluindo escolas e atividades produtivas.

Na primeira linha estão as principais lideranças mundiais, a partir da Organização Mundial da Saúde; a segunda tem na vanguarda de defesa o nosso presidente. Que quer um jogo com suas próprias regras. Até sua fonte de inspiração, Donald Trump, recuou de sua posição inicial de considerar passageiros os efeitos da pandemia e aceitou a quarentena nos Estados Unidos, agora o epicentro.

A tese de que a economia fechada pode ser pior que isolar a população é polêmica. A maior parte dos pensadores, incluindo economistas, aponta como absoluta prioridade "salvar vidas". Especialistas que discutam. Vejamos o que poderá ocorrer na política-eleitoral.


Primeiro, o presidente Bolsonaro perde razoável parcela de força. Os governadores lhe fazem um cerco. Seus 30% de votos arrefecem. Não teria hoje 57 milhões de eleitores. Seus exércitos nas redes sociais já não estão aguerridos como antes. Segundo, fortes parcelas das classes médias que nele votaram se distanciam. Terceiro, o Congresso, mesmo que aprove pautas de interesse do Executivo, sob a sombra do coronavírus, se mostra independente. Os presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, condenaram com veemência a manifestação presidencial.

O capitão, parece, não mudará ação ou expressão. Os generais que o cercam se alinham, apesar do imenso esforço para interpretar sua fala. Ora, ele é contra a quarentena mesmo. O ministro da Saúde, Henrique Mamdetta, também tentou não desdizer o chefe. O chamado gabinete do ódio, composto de olavistas e do filho Carlos, dá o tom dos discursos.

O nó está feito. Como desatá-lo? Apenas o desfecho da crise contém a resposta. Se a curva da morte continuar a subir em escala acelerada, os defensores do isolamento elevarão sua expressão. A recíproca é verdadeira. Portanto, a imagem presidencial depende da evolução da crise.

Os governadores poderão se transformar em grandes cabos eleitorais das eleições de outubro, se não forem adiadas. A esfera política deverá agir com pragmatismo, levando para a balança prós e contras de Bolsonaro. E se este continuar com a animosidade, terá contra a maioria do Parlamento.

Será muito difícil o presidente subir ao pódio de 2022 se apostar no confronto, repudiando conjuntos parlamentares. Claro, 2021 poderá apresentar um PIB mais elevado. Será a esperança do capitão, que já pode inserir 2020 em seu arquivo de tempos perdidos. Mesmo com o jogo ainda no primeiro tempo, sua posição já está reservada na galeria dos líderes mais estrambóticos do planeta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário