Crescimento para quem? Foi isso que se perguntaram os economistas Marcelo Medeiros, professor visitante da Princeton University, e Rogério Barbosa, pós-doutorando da Universidade de São Paulo. A nota técnica a que esta coluna teve acesso com exclusividade desmonta todo o mérito econômico da ditadura. “Nossa principal conclusão até o momento é de que o crescimento de 1960 a 1970 foi altamente pró-ricos, com grandes parcelas da população tendo perdas ou permanecendo praticamente estagnadas.”
Os militares insistiram ontem em reescrever a história. A ordem do dia elogia a ditadura militar e repete o delirante argumento de que os militares defendiam a democracia quando a golpearam. É cansativo, 56 anos depois, ver as Forças Armadas se prestando a esse papel.
No domingo, depois do temerário passeio de Bolsonaro para mostrar que não seguia orientações das autoridades sanitárias do planeta, ele chegou ao Palácio e disse: “Eu estou com vontade, não sei se vou fazer, de baixar um decreto amanhã...” O decreto seria para determinar a volta de todo mundo ao trabalho contra as ordens dos governadores.
Perguntei ao ministro do STF Luiz Roberto Barroso se Bolsonaro poderia baixar esse decreto. O ministro disse que “formalmente ele pode”, mas que talvez o texto não prevaleça:
– A resposta à sua pergunta é: o presidente pode. O decreto vai subsistir? Vai depender do que o Supremo decidir.
Isso porque a Constituição diz que quem planeja as ações numa calamidade é o governo federal, mas em outro ponto diz que a saúde é um direito. Em outro artigo diz que em saúde pública o poder é compartilhado entre União, estados e municípios.
– As circunstâncias atuais do poder executivo federal reavivaram dois princípios constitucionais que estavam esmaecidos: a federação e a separação dos poderes, e deu protagonismo ao poder legislativo – disse o ministro.
Essa é a beleza da democracia. Ela, contudo, é minada diariamente pelo presidente da República, quando manda que se comemore essa data funesta ou quando faz ameaças implícitas. Por isso é sempre bom derrubar os mitos criados pelas mentiras sempre repetidas.
Cruzando mais dados do que os estudos anteriores, Medeiros e Barbosa chegaram às seguintes conclusões até o momento: “1- O crescimento foi altamente concentrado. Cerca de 82% de todo o crescimento foi apropriado por apenas 10% dos trabalhadores. 2- O crescimento econômico entre 1960 e 1970 foi pró-ricos. A economia os favoreceu desproporcionalmente e deixou os pobres para trás. 3- Houve grande aumento da desigualdade de renda”. Esse último ponto já havia sido registrado em pesquisas anteriores.
Na verdade, segundo o estudo, houve “recessão” para pelo menos um terço dos trabalhadores e houve estagnação para 40% outros. “Somados, 70% dos trabalhadores não tiveram qualquer ganho.”
Por esse motivo, dizem os professores, “não é correto chamar o período de ‘fase do milagre econômico da ditadura’. Uma expressão que descreva melhor o período seria ‘fase do crescimento pró-ricos da ditadura”. Os professores aprofundarão as análises dos períodos posteriores antes de concluir o estudo.
Nos dias dolorosos que vivemos, a população tenta se proteger de um inimigo mortal e perigoso, enquanto o presidente, um admirador da ditadura, ensaia baixar decretos para tirar poderes de governadores e diz sem qualquer simpatia à vida humana e em péssimo português: “Vocês acham que morrerão gente com o passar do tempo? Morrerão”. Para mostrar que fala sério, o governo fez ontem um teatro para mostrar que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, fica no cargo, mas tutelado.
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