Na última semana, Guedes desvendou um pacote de propostas de emendas constitucionais (PECs) para reduzir o tamanho do Estado e torná-lo mais eficiente. As PECs também têm como objetivo diminuir a despesa do governo, contribuindo para o equacionamento das contas públicas nos próximos anos. Parece ótimo, não? Quem em sã consciência contestaria esses princípios, sobretudo depois de testemunhar os desmandos do Estado máximo criado durante a gestão de Dilma Rousseff? Reside aí o problema: muita gente parece ter se esquecido de que erros catastróficos como os da condução econômica de Dilma não justificam outros erros catastróficos disfarçados de “liberalismo”, ah, finalmente o “liberalismo”.
É cedo para avaliar o impacto fiscal das medidas de Guedes, mas isso, por incrível que pareça, importa menos. O que realmente importa é a legitimidade das PECs sequenciais ou uma chuva de PECs. Emendas constitucionais da envergadura proposta alterarão, se aprovadas, a estrutura da Constituição de 1988. A Constituição Federal de 1988 cometeu erros, tentou impor um Estado de Bem-Estar Social excessivamente oneroso para a realidade do país. No entanto, o princípio continua correto: em um país de desigualdade elevada e em que a pobreza extrema é não apenas alta, mas está subindo, não há como prescindir das redes de proteção social que a Constituição criou. Na realidade, no debate macroeconômico moderno, em que a economia política voltou a figurar como elemento de análise de extrema importância, não há quem, em sã consciência, possa defender o Estado mínimo de Guedes. Afinal, o Estado precisa ter o tamanho adequado para atender à população e aos desafios sociais atrelados à desigualdade.
A fala de Piñera, em entrevista recente à BBC, é republicana. Trata do tema das manifestações e da desigualdade dentro dos marcos democráticos, destacando que é preciso mudar a Constituição chilena elaborada pelo ditador Augusto Pinochet. Ao que tudo indica, isso será feito da forma correta: não por meio de PECs sequenciais ou de uma chuva de PECs, e sim por meio de uma Assembleia Constituinte que redesenhe o pacto federativo. Guedes anda falando em pacto federativo, criticando os tais 30 anos de social-democracia — alguém viu esses 30 anos? — e afirmando a necessidade das PECs. Mas, ao propor desfigurar a Constituição de 1988 sem passar pelos processos políticos necessários para garantir a legitimidade do que propõe, age, sim, como o restante do governo Bolsonaro. Ignora a institucionalidade democrática, ou a atropela, em nome de um suposto bem maior, que seria o equilíbrio das contas públicas provavelmente à custa dos programas sociais de que o país tanto necessita.
Entre o Estado máximo que leva ao desastre e o Estado mínimo ilegítimo e perigoso em tempos de insatisfação social, há o Estado de tamanho apropriado para atender às necessidades da população. Qual a chance de que tenhamos esse debate em lugar da malemolência cívica que prefere ignorar obviedades? Confesso que não vou prender a respiração.
Monica de Bolle
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