Mas no afã antirracista, acontecem coisas curiosas e até engraçadas. Seja nos Estados Unidos, onde o racismo é explícito, seja em qualquer outro país, a começar pelo Brasil. Em Washington, hoje com uma população de maioria negra, querem mudar o nome dos campeões de futebol americano, os Redskins. A iniciativa parte dos que advogam a causa dos índios. Para eles, chamar de "peles-vermelhas" jogadores de futebol é puro deboche.
Se a moda pega, daqui a pouco se levanta uma voz contra chamar de rubro-negro a um torcedor do Flamengo. A palavra composta pode ofender ao mesmo tempo índios e negros. Por esse caminho, não demora e a China se queixa ao protocolo do Itamaraty. E protesta contra o nome da febre amarela. Sem falar no perigo amarelo, que é japonês. Com argumentos assim, o vocabulário vai sofrer um expurgo de todo tamanho. Muitas palavras vão ser cassadas.
Já houve a denúncia de judiar. Como judiação e judiaria, o verbo traz um ressaibo antissemita. E o antissemitismo lembra o que há de pior neste mundo. Mas não é só o judeu que está escondido na raiz etimológica de certas palavras. Volto ao chinês e lembro chinesice. Chinoiserie em francês. Aliás, francesia ou francesismo pode ser objeto de protesto da França. Como “sair à francesa".
Ninguém escapa. Palavras e expressões em todas as línguas escondem silenciosos rancores. A eterna hostilidade ao gringo, ao que é diferente. O calor senegalesco pelo menos aqui no Rio não é culpa do Senegal. Nem é só para inglês ver. Os ingleses, por terem sido donos do mundo, não escapam do enfoque pejorativo. Nem Deus. O feminismo ainda agora protesta contra o gênero masculino de Deus. Parece humor negro. Se é que esta expressão já não entrou na lista negra, como racista. Lista negra? Ih, piorou!
Otto Lara Resende (Folha SP, 16/5/1992)
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