terça-feira, 27 de agosto de 2019

Para se recuperar do fogo, 'floresta leva décadas ou centenas de anos'

Um incêndio na Amazônia costuma ter chamas baixas - às vezes não passam de 30 centímetros -, que avançam com lentidão. A destruição causada pelo fogo é grande e leva tempo para ser superada. No Cerrado, as chamas são altas e avançam com velocidade. No entanto, a área se recupera com rapidez.

Enquanto o Cerrado é preparado para lidar com o fogo, a região amazônica não possui a mesma capacidade, conforme especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Biomas mais comuns no Brasil, os dois lideram a lista dos atingidos pelas queimadas que têm sido registrados em diversos pontos do país neste ano. Em primeiro lugar aparece a Amazônia, com 52,6% dos focos de incêndios de 2019. No Cerrado foram notificados 29,8% dos casos. Os dados foram divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

De janeiro a agosto deste ano, foram registrados, até sexta-feira (23), 76,7 mil focos de incêndio no Brasil. Os estados com mais queimadas são Mato Grosso (14,6 mil), Pará (10,2 mil), Amazonas (7.2 mil), Tocantins (5,9 mil) e Rondônia (5,8 mil). Os cinco compõem a Amazônia Legal, com áreas de Floresta Amazônica.


Pesquisadora da Universidade de Oxford, a brasileira Erika Berenguer estuda os efeitos do fogo na região amazônica. Ela ressalta que os incêndios na Floresta Amazônica não acontecem de maneira natural. "É preciso que alguém coloque o fogo. Ao contrário de ecossistemas como o Cerrado, a Amazônia não evoluiu com o fogo e ele não faz parte da dinâmica dela", diz.

"No Cerrado, o fogo é natural. Assim como ele ocorre naturalmente, por exemplo, em savanas ou nas florestas da costa da Califórnia. Mas na Amazônia, o fogo não faz parte dessa dinâmica", relata.

A especialista ressalta que a vegetação da Amazônia não tem mecanismos de proteção ao fogo, enquanto o Cerrado tem seus meios de defesa. "No Cerrado, há árvores com uma casca supergrossa, quase uma cortiça. Essa casca serve para proteger o cerne da árvore do fogo. Se o fogo queimar a casca, ela é tão grossa que não deixa a chama, nem a alta temperatura, chegar no cerne da árvore", detalha.

Enquanto no Cerrado existem árvores com dezenas de centímetros de casca, diz, na região amazônica as cascas têm poucos milímetros. "Isso significa que o fogo tem muito mais facilidade para levar essa árvore da Amazônia à morte, porque vai destruir o cerne dela."

"Essa falta de proteção ao fogo na Amazônia significa que a mortalidade de árvores é muito alta. Se uma área de floresta queima, até 50% das árvores dela morrem", acrescenta.

O britânico Jos Barlow, doutor em Ecologia e professor da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, ressalta que as plantas da Amazônia nunca estiveram preparadas para enfrentar incêndios.

"Elas não têm histórico de fogo ao longo de milhões de anos de evolução. Por isso, quando as chamas passam por lá, desmatam muitas árvores, mesmo sendo um incêndio de baixa intensidade", explica.

Sobre as consequências dos incêndios nos dois biomas, Barlow afima que mesmo com fogo de alta intensidade e chamas altas no Cerrado, o impacto é pouco. "As árvores conseguem sobreviver. Depois de seis meses ou um ano, não é possível perceber que passou fogo ali", comenta o britânico. Na Amazônia, além da morte de quase metade das árvores da floresta incendiada, as consequências do fogo são notadas até mesmo depois de décadas.

As mortes de árvores da Amazônia representam graves consequências ao meio ambiente e colaboram para alterações climáticas. "Essas árvores são grandes armazéns de carbono. Uma grande árvore na região amazônica pode ter de três a quatro toneladas de carbono armazenado. Se ela for queimada, todo esse carbono vai para a atmosfera, contribuindo para acelerar as mudanças climáticas", diz Erika.

"A Amazônia inteira estoca o equivalente a 100 anos de emissões de CO2 dos Estados Unidos. Então, queimar a floresta significa colocar muito CO2 de volta na atmosfera", acrescenta a pesquisadora.

Há mais de uma década, Erika estuda a Floresta Amazônica. Ela comenta que as queimadas que ocorrem na região são, em sua maioria, feitas por produtores rurais para o desmatamento. "Primeiro, eles derrubam as árvores com um "correntão", no qual interligam dois tratores em uma imensa corrente. Com os veículos andando, a corrente entre eles vai levando a floresta ao chão."

"A floresta derrubada fica um tempo secando no chão, geralmente por meses adentro da estação seca, para perder umidade suficiente para que possam colocar fogo nela. Fazem toda aquela vegetação desaparecer, para que possam plantar capim. Cerca de 70% da área já desmatada da Amazônia brasileira é usada para pastagem ", declara.

Erika detalha que o fogo do desmatamento pode escapar e atingir árvores que não tinham sido alvos dos "correntões" e haviam permanecido em pé.

A pesquisadora ressalta que o período de seca na Amazônia, que começa em julho e pode seguir até outubro, costuma culminar no aumento dos incêndios florestais. "O que tem de diferente em 2019 é a dimensão do problema. É o aumento do desmatamento, aliado aos inúmeros focos de queimadas e ao aumento das emissões de monóxido de carbono, o que mostra que a floresta está ardendo", afirma. Ela acredita que a tendência é que a situação na piore nos próximos dois meses.

Para especialistas, medidas de preservação ambiental devem ser tomadas com urgência pelo Governo Federal. "Desde janeiro, com o atual governo, tem existido um grande desmonte nas agências ambientais brasileiras. Tanto no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) quanto no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade)", lamenta Erika.

Ela também cita o bloqueio do Fundo Amazônia - uma reserva de dinheiro doado internacionalmente para projetos de preservação da floresta -, suspenso em razão da política ambiental de Bolsonaro. "Esse fundo é de extrema importância, pois é responsável por financiar operações de combate ao desmatamento. Com recursos dele, foram comprados caminhões e aviões que são usados no combate às queimadas nos estados amazônicos", declara Erika.

A ausência de políticas de preservação ambiental poderá trazer um cenário ainda pior nos próximos anos, conforme os estudiosos.

Após a repercussão extremamente negativa da situação das queimadas no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em pronunciamento na noite de sexta-feira, que terá "tolerância zero" com crimes ambientais. Ele declarou que o governo atuará fortemente no combate aos incêndios da Amazônia.

Ainda que haja redução no crescente número de queimadas na região amazônica, as consequências das áreas já afetadas irão perdurar por tempo indeterminado. A dificuldade de se recuperar é um dos maiores problemas enfrentados pelas regiões da floresta que foram atingidas pelo fogo.

"A gente tem árvores enormes caindo. Elas vão morrer. Depois, podem nascer árvores finas. Essas árvores novas crescem rápido, mas tem baixa densidade de madeira. Elas retêm pouco carbono. Não é porque temos uma árvore nascendo que ela vai corresponder à que morreu", esclarece Erika.

Conforme estudos feitos por especialistas que analisam as queimadas na Amazônia, mesmo três décadas após ser atingida pelo fogo, as florestas queimadas têm 25% menos carbono que as que não foram alvos de chamas. "Isso mostra que a gente precisa de décadas ou até mesmo centenas de anos para que as florestas se recuperem de um incêndio", lamenta a pesquisadora.

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