Taft Benson referia-se a Rachel Carson, autora de “Primavera silenciosa”, o seminal livro que desarrumou para melhor as até então inexistentes políticas ambientais nos Estados Unidos e obrigou o mundo a despertar para a frágil interconectividade da vida no planeta. Obra-libelo para que se investigue e regulamente o uso de pesticidas, o livro serviu de referência para a criação da primeira agencia federal de proteção do meio ambiente (EPA, na sigla em inglês), da aprovação da Lei do Ar Puro (1963), Áreas Selvagens (1964), Água Limpa (1972), Espécies em Extinção (1973), e despertou a consciência ambiental moderna.
Nascida em família rural da Pensilvânia e bolsista na universidade Johns Hopkins, a bióloga Carson não teve recursos para concluir seu doutorado em Zoologia e Genética. Mesmo assim, com “Primavera silenciosa”, produziu a reportagem investigativa de maior relevância (e clareza) do século 20. Publicado mais de meio século atrás, o clássico demonstra com rigor científico e prosa emocionante que pesticidas não apenas envenenam insetos e ervas daninhas, como desencadeiam uma cascata de mutações destruidoras da vida no planeta.
Carson não era radical, não pregava a proibição pura e simples de pesticidas químicos, apenas apontou para a necessidade de aprofundar o conhecimento de seus elementos e para as consequências de uma ciência não assentada em moralidade.
Ainda assim, a autora foi alvo de brutal campanha de descrédito por parte de setores do governo, da indústria química e do agronegócio da época. Até mesmo a editora Houghton Mifflin, responsável pela publicação do livro em 1962, recebeu intimidações jurídicas de peso.
Por que lembrar agora dessa luminosa personagem que morreu com o corpo em metástase pouco depois de concluir sua obra? Porque seus detratores de outrora pipocam em estranhas reencarnações. Vem à mente, de imediato, a recente foto de Carlos Bolsonaro, filho do presidente do Brasil, empunhando um exemplar de “Psicose ambientalista: Os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma religião igualitária e anticristã”, de Dom Bertrand de Orléans e Bragança. O título- spoiler, que torna desnecessário descrever o conteúdo da obra, parece ter inspirado também o pai de Carlos a denunciar a existência de uma “psicose ambientalista” contra o Brasil por parte de países como Alemanha e França.
Vem à mente também o jornalista alemão Henrik Böhme, da Deutsche Welle, que considera o Gabinete do Clima criado pela chanceler Angela Merkel como um “gabinete de horrores”, e vê por trás da política de defesa ambiental um ataque subterrâneo ao sistema econômico capitalista. Na mesma linha está o site americano Fabius Maximus, onde se lê que “a esquerda incita à histeria climática para obter ganho político” e que a adolescente sueca Greta Thunberg, “ícone do apocalipse climático”, só existe como resultado de cuidadoso trabalho de mídia alimentado por grupos de interesse. Vem à mente, é claro, nosso ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para quem a Amazônia surfa em “desmatamento zero”. E também o general da reserva Augusto Heleno, que do seu gabinete brasiliense de Segurança Institucional descarta como “manipulados” dados computados pela tecnologia de ponta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Por tudo isso, mesmo para quem já leu “O fim da natureza”, de Bill McKibben, assistiu a “Uma verdade inconveniente”, de Al Gore, aguarda a vinda à Flip do jornalista David Wallace-Wells, autor de “A Terra inabitável”, e gostou do alerta sobre biocídio em “A sexta extinção: Uma história não natural”, de Elizabeth Kolbert, vale empreender um retorno ao futuro com Rachel Carson.
Ela merece. Nós também. Até para lembrar que conhecimento consiste na procura da verdade, não na busca da certeza.
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