__ Que é que ele está anunciando? __ indagou o cabo eleitoral, apreensivo. __ Será que faz propaganda do voto em branco? Devia ser proibido!
__ O cidadão é livre de usar a camiseta que quiser __ ponderou um senhor moderado.
__ Em tempo de eleição, nunca __ retrucou o outro. __ Ou o cidadão manifesta sua preferência política ou é um sabotador do processo de abertura democrática.
__ O voto é secreto.
__ É secreto, mas a camiseta não é, muito pelo contrário. Ainda há gente neste país que não assume a sua responsabilidade cívica, se esconde feito avestruz e ...
__ Ah, pelo que vejo o amigo não aprova as pessoas que gostam de usar uma camiseta limpinha, sem inscrição, na cor natural em que saiu da fábrica.
A discussão ia rolar quando apareceu Christiane Torloni, pedestre, ostentando bem visível, no peito, o nome de Eduardo Mascarenhas. Todos ficaram deslumbrados.
__ Nessa eu votaria até para presidente. da República, do Banco Central, da ONU, de qualquer troço __ exclamou outro.
__ Ela não é candidata.
__ E precisa?
Ficou patente que as pessoas reparam mais no rosto do que na inscrição, embora a falta de inscrição provoque a ideia de que falta alguma coisa __ a identidade, o nariz, sei lá.
Vi na rua Sete de Setembro um homem que trazia a inscrição "Guiné-pipi" na frente e nas costas.
__ Candidato a vereador? -- perguntei. __ De que partido?
__ Não, senhor. Erva contra reumatismo. Quer experimentar? É um porrete. Trago para o senhor uma amostra da fábrica., lá de Cordovil.
__ Obrigado, amigo. O Dr. Nava já cuida do meu.
__ Mas qualquer problema, o senhor não tenha cerimônia. É só dizer, que eu falo com os colegas, conforme o caso. Ou o senhor mesmo fala, se encontrar com um deles.
__ E como é que eu vou saber?
__ Pela camiseta, é claro. Tem o Cipó-Azougue, que é um balaço contra eczema, aliás, pessoalmente, é um cara ótimo. O Beldroega (faz pouco ele passou por aqui) toma conta do fígado e depura o sangue. Do Sete-Folhas, que é até meu vizinho, vejo que o senhor não carece, pois é para emagrecer. Agora, convém não esquecer o Boldo. Lá um dia a gente tem uma ressaca, e o Boldo resolve.
Vi que as camisetas da medicina natural são numerosas, mas as de uísques, vinhos alemães, motos, motéis, cigarros, antigripais, cursinhos, judô, budismo, loteria, jogo de búzios, etc. não fazem por menos. Hoje em dia não há produto que não tenha, além dos comunicadores remunerados, outros absolutamente gratuitos, e estes são maioria. Todo mundo anuncia alguma coisa, e a camiseta é o cartaz na pele. Sendo de notar que há tendência para anunciar para anunciar até no bumbum. Mas este é um ramo ainda experimental.
Quis empreender pesquisa de campo no domínio das inscrições no anverso e no reverso do vestuário. Desisti porque teria de elaborar um código de classificação muito complexo, tamanha a variedade de interesses humanos que se refletem numa etiqueta comercial, industrial, política, esportiva, religiosa, onírica. Hoje em dia a camiseta serve para tudo, até (não principalmente) para vestir. E acompanha também a veloz deterioração das coisas, sinal de finitude hoje mais visível do que nunca. Puxa, como as coisas acabam cada vez mais depressa! Não há mais condições para gravar palavras eternas em muros de catedral. Hoje estampam-se recados em camisetas descartáveis. Como esta crônica.
Carlos Drummond de Andrade
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