domingo, 7 de julho de 2019

Em matéria de fake news, não existe nada igual ao jornalismo praticado no Brasil

Há dois cariocas que fazem muita falta – Vinicius de Moraes e Sérgio Porto. Se ainda estivessem entre nós, ficariam surpresos com o reaproveitamento de suas ideias geniais. Tudo aqui no Brasil agora acontece de repente, não mais que de repente, como dizia o poeta, e o festival de besteira que o jornalista identificou nos anos 60 se tornou um nunca-acabar. E tudo parece ser aparente, nada é para valer, vivemos num mundo virtual caboclo jamais imaginado por visionários como George Orwell, Aldous Huxley ou Friedrich Nietzsche.

Todos sabem que o maior problema do país é o crescimento da dívida pública, mas esse assunto ninguém se interessa em discutir, é considerado uma espécie de fake news, o fenômeno da moda, que realmente está a motivar as autoridades.


O Supremo Tribunal Federal saiu na frente e abriu rumorosa investigação sobre as fake news. No início, houve uma discussão infernal, o relator Alexandre de Moraes tomou uma série de iniciativas ruidosas. Mas de repente, não mais que de repente, tudo parou e a própria investigação passou a ser encarada como fake news.

O Congresso Nacional, ao invés de se preocupar com as questões que inquietam o país, imitou o Supremo e acaba de abrir a CPI das Fake News para dar sequência a esse moderno festival de besteiras, pois sua investigação também não vai chegar a lugar algum.

Os parlamentares ainda não entenderam que no Brasil é tudo fake news. Vejam o caso do The Intercept. A cada dia o site binacional publica diversas notícias manipuladas para atacar o ministro Sérgio Moro e a Lava Jato, é tudo imediatamente desmentido, mas sabe-se que no dia seguinte virão outras notícias, que também serão desmentidas e por aí a coisa vai, num moto-contínuo totalmente despropositado.

Na verdade, o Brasil do Século XXI é uma espécie de laboratório da maluquice universal. Aqui debaixo do Equador, o Big Brother de Orwell é o aparelho celular, que as pessoas ficam manuseando o dia inteiro; o Admirável Mundo Novo de Huxley é a Belíndia, uma mistura de Bélgica e Índia vislumbrada pelo economista Edmar Bacha, onde a riqueza total insiste em conviver com a miséria absoluta, como se isso pudesse dar certo; e o Zaratustra de Nietzsche não conseguiu prever nada do que aconteceria nessa terra ensolarada e preguiçosa.

Ao contrário do que teria constatado Orson Welles quando por aqui esteve, é tudo mentira. Nesta semana, por exemplo, os jornais e os analistas alardearam que a Bolsa de Valores bateu todos os recordes, com os investidores entusiasmados com a aprovação da reforma da Previdência, fato que na verdade ainda nem ocorreu.

A disparada da Bolsa também é uma fake news, porque a reforma meia-sola da Previdência não vai ter influência na economia, quem investe na Bolsa são os otários de sempre, que abandonaram os fundos por causa da baixa rentabilidade e acham que descobriram a pólvora financeira.

A Previdência, para se normalizar, precisa que o país saia da recessão e haja combate à sonegação e às fraudes legais e ilegais, como a “pejotização” de trabalhadores de alta renda. Aliás, se a economia estivesse crescendo, ninguém nem falaria em reformar a Previdência, seria mais uma fake news.

Os parlamentares da CPI mista terão muito trabalho, se realmente quiserem combater esse fenômeno. Basta lembrar que o ministro da Economia, Paulo Guedes, avisou que, se mudassem a reforma da Previdência, pediria demissão e iria morar lá fora; a ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, também fala em abandonar o governo; o ministro Marcelo Antônio, do Turismo, diz que está cem por centro tranquilo em relação às candidatas laranjas; e o presidente Jair Bolsonaro mandou os filhos pararem de interferir no governo.

Ninguém se importa com essas notícias, porque todos sabem que é tudo fake news. O importante é a decisão da Copa América, com a presença de Bolsonaro e Moro. E la nave va, cada vez mais fellinianamente.

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