Relembremos alguns fatos.
Em 2017 o então senador Cristóvam Buarque foi chamado de golpista e hostilizado por radicais de esquerda, quando do lançamento do seu livro “Mediterrâneos invisíveis”, na Universidade Federal de Minas Gerais. Na mesma noite o ex-senador teve de ser escoltado pela Polícia Militar, quando ia proferir uma palestra, tal a agressividade dessa militância. Motivo de tanto ódio: Cristóvam votou favorável ao impeachment de Dilma.
Dois anos antes, o compositor Chico Buarque de Holanda, um patrimônio da cultura brasileira, foi hostilizado por um grupo de antipetistas em uma movimentada esquina do Leblon, no Rio de Janeiro, por causa de suas posições políticas.
Se puxarmos pela memória, vamos nos lembrar das agressões à blogueira cubana Yoani Sánchez, hostilizada por militantes de esquerda defensores da ditadura cubana, desde que pisou no solo brasileiro. Em São Paulo, foi impedida de proferir uma palestra na Livraria Cultura como mostra o potente e incisivo filme de Rafael Bottino e Peppe Siffredi: A Viagem de Yoani.
Troca-se o sinal, mas a intolerância é a mesma. Nem mesmo ambientes de dor e consternação são respeitados. O ex-ministro Guido Mantega foi alvo da fúria de antipetistas, quando sua esposa, já falecida, estava internada no Hospital Albert Einstein para se tratar de câncer. Essa raiva cega também se manifestou em frente ao Hospital Sírio Libanês, onde estava internada Marisa Letícia, esposa de Lula, falecida em 2017.
Vamos aos dias de hoje. Na semana passada a colunista Miriam Leitão, uma das vozes mais respeitadas do jornalismo brasileiro, e o cientista político Sérgio Abranches foram a bola da vez. Por pressão de agrupamento de extrema-direita, foi suspensa a palestra que iam proferir em uma feira de livros em Jaraguá do Sul.
A independência de Miriam incomoda aos dois extremos. Em 2017 foi chamada de terrorista por sindicalistas vinculados ao PT em um voo comercial. Ironia da história: terrorista também foi o termo utilizado por seus torturadores quando foi presa durante a ditadura militar.
Miriam voltou a ser estigmatizada na última nessa sexta feira, dessa vez pelo presidente da República. Sem compromisso com a verdade, Jair Bolsonaro inventou que ela ia participar da guerrilha do Araguaia, quando foi presa em 1971. Não satisfeito, o presidente disse que a jornalista mentiu quando afirmou que foi torturada, durante a ditadura, fato fartamente documentado na justiça militar.
As palavras do presidente serviram de estímulo aos seus radicais. Rapidamente sua tropa de choque poluiu as redes sociais com a divulgação de uma foto, dizendo que a moça que aparece com uma metralhadora ao lado de um militar é Miriam Leitão. Puro fake. A foto é de bancárias do Bradesco sendo treinadas por militares nos anos de chumbo para reagirem à assalto a bancos praticados por agrupamentos de esquerda.
O pano de fundo da escalada da intolerância é a radicalização política instalada no Brasil nos anos do lulopetismo e alimentada pelo atual presidente. Exaustivamente Bolsonaro demonstra ter dificuldade para conviver com o contraditório. Seu cacoete autoritário joga mais lenha na fogueira quando condena oponentes e ameaça cercear a liberdade de expressão por meio do dirigismo estatal da produção cinematográfica do país.
Sempre houve na esquerda correntes mais extremadas, refratárias aos valores democráticos e adepta de uma concepção segundo a qual a violência é a parteira da história. Da mesma maneira sempre houve uma direita raivosa e de valores autoritários. Desde a democratização ela estava incubada, mas saiu do armário nos últimos anos, com o advento da maior crise ética da história do nosso país.
A depender dos dois extremos, novos episódios de violência e de intolerância acontecerão. Sua escalada só arrefecerá se a política voltar a se impor como a forma mais civilizada da sociedade equacionar conflitos e estabelecer consensos.
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