Embora dados oficiais mostrem que o desmatamento na Amazônia tem crescido desde 2012 e se intensificou neste ano, o Palácio do Planalto questiona a veracidade dos números e insiste que o Brasil é "exemplo de preservação" e "tem muito a ensinar" a outros países.
A ideia de que o Brasil lidera na preservação ambiental já foi defendida pelos ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). O senador Flávio Bolsonaro, por sua vez, usou o argumento ao apresentar em abril um projeto de lei para acabar com a "reserva legal", área que os produtores rurais são obrigados a preservar dentro de suas propriedades, segundo o Código Florestal.
"Não é demais reafirmar que o Brasil é o país que mais preserva sua vegetação nativa e o produtor rural é personagem central desta preservação, ao bancar do próprio bolso a conservação de um quarto do território nacional", escreveu, na justifica da proposta.
Miranda, que está na empresa há quase quarenta anos,foi chamado, após ter coordenado - durante a transição de governo - um grupo de trabalho sobre política ambiental, de "guru ambiental de Bolsonaro" pelo diretor de redação do programa Globo Rural, Bruno Blecher.
Sua tese do "Brasil líder em preservação" foi sintetizada no ano passado no livro Tons de Verde, editado com apoio de 15 instituições do agronegócio, segundo informações da Frente Parlamentar da Agropecuária, que realizou pré-lançamento da publicação.
Seus argumentos, porém, são contestados por cientistas, ambientalistas e enfrentam críticas também dentro da Embrapa. Um artigo publicado por autores brasileiros ano passado na revista Environmental Conservation, da universidade de Cambridge (Reino Unido), com o título "Os dados confirmam que Brasil lidera o mundo em preservação ambiental?", chama os números de Miranda de "estatísticas criativas", "influenciadas por uma narrativa ideológica que distorce a realidade ambiental brasileira".
Em seu livro, Miranda sustenta que áreas de mata nativa dentro de propriedades privadas somam 218 milhões de hectares e representam 25% do território do Brasil, fazendo do produtor rural a categoria que mais preserva no país. Sua equipe da Embrapa estimou em R$ 3,1 trilhões o capital imobilizado nessas áreas por não serem usadas para plantação ou criação de gado - e em R$ 20 bilhões o custo de sua preservação.
O cálculo da área preservada foi feito a partir do que os próprios proprietários declararam ao realizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência do Código Florestal aprovada em 2012, que atualizou a legislação ambiental de 1965. A nova lei prevê que o dono de terras é obrigado a preservar parte da área de vegetação nativa em sua propriedade, o que se chama de "reserva legal". Na Amazônia, o percentual "reservado" éde 80% da propriedade, no cerrado é de 35% e nos demais biomas 20%.
O prazo para realizar o cadastro vencia em maio de 2015, mas vem sendo sucessivamente adiado, o que impede o avanço da etapa seguinte, de fiscalização e regularização dos que desmataram mais do que podiam. Depois de os ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer terem prorrogado o período de cadastro, Bolsonaro editou uma medida provisória em junho extinguindo o prazo, deixando produtores livres para cumprir essa exigência quando quiserem.
É justamente essa obrigação, o cadastro de reserva legal, que Flávio Bolsonaro quer acabar, citando em sua proposta os números de Miranda.
"O maior trabalho escravo da história do Brasil. Cinco milhões de pessoas obrigadas, sem ganhar nada, a fazer esse trabalho, sob coação, sob ameaça de perda de crédito", criticou Miranda, colocando a obrigação dos produtores de registrar suas propriedades como um encargo pior que mais de três séculos de trabalho forçado impostos aos negros no Brasil.
A fala pode ser vista em vídeo que já alcançou quase 300 mil visualizações do YouTube, registro de sua palestra no VI Fórum de Agricultura da América do Sul, há um ano, em Curitiba.
Ao somar os hectares que estariam preservados por produtores às áreas protegidas nas unidades de conservação, terras indígenas e porções de terras públicas devolutas ou de controle militar, sua equipe aponta que 66% do país é ocupado por florestas ou outros tipos de vegetação original, o que corresponde a 48 países da Europa.
"É um país que já resolveu todos os seus problemas de saneamento, de saúde, de infraestrutura... Como temos um fundo soberano que as nações invejam, a maior renda per capita do planeta, ah, vamos deixar três quartos (do país preservados) para ajudar o planeta. Dá 48 países da Europa", ironizou.
Ao dizer que o Brasil é líder em preservação, Miranda usa ainda um banco de dados gerenciado pela ONU, o World Database on Protected Areas, que compila áreas legalmente protegidas, para comparar o desempenho dos dez maiores países em extensão territorial.
Nessa comparação, o Brasil aparece no topo do ranking, com 29% de território protegido, considerando unidades de conservação e terras indígenas. A média dos outros nove (Austrália, China, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Argentina, Argélia, Índia e Cazaquistão) fica em 10%.
Quando considerados todos os países do mundo, no entanto, o Brasil aparece acima da média mundial, mas atrás de mais de vinte nações, como Alemanha (38%), Grécia (35%), Nova Zelândia (32%), Venezuela (54%), Bolívia (30%) e Congo (41%).
Um dos críticos do chefe da Embrapa Territorial é o pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão, que tem artigos sobre preservação ambiental publicados com colegas nas principais revistas científicas mundiais, como a americana Science e a britânica Nature.
Ele também calcula que a cobertura de vegetação nativa no Brasil supere 60%, como aponta Miranda. Porém, na sua visão, esse índice isoladamente não atesta que o Brasil seja líder em preservação.
"Esse número não é alvo de controvérsia. O uso que é feito dele é que é controverso. A foto pode ser boa, mas o filme é muito ruim. O país está perdendo rapidamente sua riqueza (florestal)", critica Rajão.
"O que faz o Brasil ter 60% de floresta, e não 30% ou 40%, é que a entrada (mais intensificada) na Amazônia foi a partir da década de 70. Se for ver o percentual de floresta que tem em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, vai ver que índice é menor que na França, na Alemanha", ressalta.
O cálculo da área preservada foi feito a partir do que os próprios proprietários declararam ao realizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), exigência do Código Florestal aprovada em 2012, que atualizou a legislação ambiental de 1965. A nova lei prevê que o dono de terras é obrigado a preservar parte da área de vegetação nativa em sua propriedade, o que se chama de "reserva legal". Na Amazônia, o percentual "reservado" éde 80% da propriedade, no cerrado é de 35% e nos demais biomas 20%.
O prazo para realizar o cadastro vencia em maio de 2015, mas vem sendo sucessivamente adiado, o que impede o avanço da etapa seguinte, de fiscalização e regularização dos que desmataram mais do que podiam. Depois de os ex-presidentes Dilma Rousseff e Michel Temer terem prorrogado o período de cadastro, Bolsonaro editou uma medida provisória em junho extinguindo o prazo, deixando produtores livres para cumprir essa exigência quando quiserem.
É justamente essa obrigação, o cadastro de reserva legal, que Flávio Bolsonaro quer acabar, citando em sua proposta os números de Miranda.
"O maior trabalho escravo da história do Brasil. Cinco milhões de pessoas obrigadas, sem ganhar nada, a fazer esse trabalho, sob coação, sob ameaça de perda de crédito", criticou Miranda, colocando a obrigação dos produtores de registrar suas propriedades como um encargo pior que mais de três séculos de trabalho forçado impostos aos negros no Brasil.
A fala pode ser vista em vídeo que já alcançou quase 300 mil visualizações do YouTube, registro de sua palestra no VI Fórum de Agricultura da América do Sul, há um ano, em Curitiba.
Ao somar os hectares que estariam preservados por produtores às áreas protegidas nas unidades de conservação, terras indígenas e porções de terras públicas devolutas ou de controle militar, sua equipe aponta que 66% do país é ocupado por florestas ou outros tipos de vegetação original, o que corresponde a 48 países da Europa.
"É um país que já resolveu todos os seus problemas de saneamento, de saúde, de infraestrutura... Como temos um fundo soberano que as nações invejam, a maior renda per capita do planeta, ah, vamos deixar três quartos (do país preservados) para ajudar o planeta. Dá 48 países da Europa", ironizou.
Ao dizer que o Brasil é líder em preservação, Miranda usa ainda um banco de dados gerenciado pela ONU, o World Database on Protected Areas, que compila áreas legalmente protegidas, para comparar o desempenho dos dez maiores países em extensão territorial.
Nessa comparação, o Brasil aparece no topo do ranking, com 29% de território protegido, considerando unidades de conservação e terras indígenas. A média dos outros nove (Austrália, China, Estados Unidos, Rússia, Canadá, Argentina, Argélia, Índia e Cazaquistão) fica em 10%.
Quando considerados todos os países do mundo, no entanto, o Brasil aparece acima da média mundial, mas atrás de mais de vinte nações, como Alemanha (38%), Grécia (35%), Nova Zelândia (32%), Venezuela (54%), Bolívia (30%) e Congo (41%).
Um dos críticos do chefe da Embrapa Territorial é o pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão, que tem artigos sobre preservação ambiental publicados com colegas nas principais revistas científicas mundiais, como a americana Science e a britânica Nature.
Ele também calcula que a cobertura de vegetação nativa no Brasil supere 60%, como aponta Miranda. Porém, na sua visão, esse índice isoladamente não atesta que o Brasil seja líder em preservação.
"Esse número não é alvo de controvérsia. O uso que é feito dele é que é controverso. A foto pode ser boa, mas o filme é muito ruim. O país está perdendo rapidamente sua riqueza (florestal)", critica Rajão.
"O que faz o Brasil ter 60% de floresta, e não 30% ou 40%, é que a entrada (mais intensificada) na Amazônia foi a partir da década de 70. Se for ver o percentual de floresta que tem em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, vai ver que índice é menor que na França, na Alemanha", ressalta.
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