sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Medindo os presentes

No dia de hoje, você pode estar inventariando os presentes ou, quem sabe, indo mais longe ainda: refletindo mais uma vez sobre o presente momento. E vivendo em cheio e constrangido o peso do surto sociopsicológico do país.

E, no entanto, o Natal é o momento de receber presentes e, no fundo, todo momento proporciona um presente. Viver é estar presente e, simultaneamente, ser presenteado — ganhar ou perder alguma coisa ou pessoa.

No curso de uma vida, a ocasião natalina é mestra em proporcionar inventários e comparações. Certamente porque o Natal é uma festa obrigatória no sentido coercitivo. “Do Natal e do carnaval, diz um amigo, a gente pode fugir, mas ninguém escapa!”.

Como toda repetição com extraordinária força coletiva, ele, de um lado, abole o tempo conjuntural mas, de outro, faz com que se observem os natais de hoje em relação com os de “antigamente”.


Meus natais originais trazem de volta os “presentes” mais do que a “árvore enfeitada com uma neve que eu só fui conhecer aos vinte e pouco anos, no Natal de 1963, em Cambridge, Massachusetts, quando na janela de minha humilde casa de uma vila de estudantes harvardianos eu fui presentado com grossos flocos brancos que lentamente caíam de um céu de púrpura aos borbotões, e — eis meu sobressalto — não faziam barulho como as chuvaradas do Brasil. O clima do Natal no norte era diverso. No nosso, o sorvete, ainda visto como artigo de luxo em casas sem geladeira, era servido como algo especial; coisa impossível de conceber naquele momento em que se via o gelo caindo do céu, pintando de branco o asfalto da rua — congelando o mundo.

Para nós, os cinco meninos e a menina com os quais compartilhei os anos decisivos de minha vida, o Natal significava basicamente presentes. E para cada menino daqueles tempos uma fantasia que só os Reis Magos (corre a lenda que foram eles que inventaram os presentes de Natal) poderiam tornar real. Durante anos eu sonhei com uma máquina de telegrafia igual à que vi na estação de trem de Rio Largo, Alagoas. Depois passei a freudianamente fantasiar uma pistola automática das que eram usadas nos filmes policiais. Um dia, o prêmio passou ao aperto de mãos e o suave beijo da namorada já sentidos e antecipados pelo carinho do pai, da mãe, de tia Amália, de vovó Emerentina e pela austeridade de vovô Raul.

Hoje ainda quero ver, e vejo que, a despeito de tudo — e acima de tudo, da burrice emocional, pomposa, onipotente, narcisística, autocrática e jurídica que pode nos levar ao suicídio nacional — o Natal ainda é o tempo do riso feliz.

Não é a festa das gargalhadas dos carnavais que não podem durar muito porque matam. Mas é a festa do sorriso discreto e contente com ele mesmo. De um tempo no qual a felicidade entra, mesmo espremida, em nossas pequena vidas e nos faz viver as nossas plenitudes. E o menino dentro do velho avô Beto, cujo amor o faz chorar de felicidade pelas netas e netos, e pelo filho perdido, mas sempre achado nos outros. Sorrir e sonhar com todo o amor que teima em nascer da raiva, da frustração, da má-fé e da resistência a um Brasil que resiste a ser igualitário.

Os presentes de Natal concretizam a invisibilidade do lixeiro, do porteiro e dos empregados. Dos que fazem coisas para nós com honra e competência, garantindo a nossa (falsa) visão superior de nós mesmos. O presente revela os presentes de nossas vidas. Medidos uns contra os outros, avaliamos onde estamos e quem somos. É quando nos damos conta da consciência e da vida e de quanto devemos uns aos outros é o nosso milagroso presente.

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