sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O muito que falta no caso Queiroz

A versão de Fabrício Queiroz é evidentemente insatisfatória. Mesmo com toda a boa vontade do mundo é difícil considerar o caso encerrado. É preciso mostrar os registros de carros vendidos e comprados, explicar os depósitos dos funcionários do gabinete, justificar a presença dos seus familiares empoleirados na equipe de Flávio Bolsonaro, e ainda ter a comprovação bancária do empréstimo do presidente eleito Jair Bolsonaro em sua conta.

Há falhas demais nessa história. O Brasil foi muito bem treinado nos últimos anos pelos procuradores e juízes da Lava-Jato a não aceitar versões com peças faltantes. Até seu semblante na entrevista concedida ao “SBT” parecia saudável demais para justificar o seu não comparecimento à convocação do Ministério Público Estadual. Ele pode mesmo ter as enfermidades que disse ter, mas não parecia estar em estágio agudo ao conceder a entrevista. No final da noite de ontem, a defesa apresentou atestados sobre a “grave enfermidade” de Queiroz e disse que ele passará por “cirurgia urgente”.

O que temos visto no país nos últimos anos é o desvio de milhões e bilhões, e alguém pode argumentar que é pequeno o movimento atípico na conta do ex-assessor do senador eleito e amigo da família Bolsonaro. O problema é que não há malfeito pequeno ou grande. Há malfeito. E foi contra eles que a família que assumirá o poder dentro de alguns dias fez a cruzada que a levou à vitória.
Uma velha lei da política é que a exigência sobre uma autoridade é maior exatamente no quesito que foi usado como bandeira para a eleição.


O ex-presidente Fernando Collor foi eleito dizendo que combateria os marajás. Ele caiu não por ter provocado uma grave recessão com seu plano desastrado, mas porque fantasmas de PC Farias movimentavam dinheiro que davam a ele um luxo de marajá, como as cascatas da Casa da Dinda. A ex-presidente Dilma negou a crise econômica e prometeu crescimento no seu segundo mandato. A recessão e o desemprego explodiram na cara dos eleitores.

O ponto mais vulnerável do futuro governo será o do combate à corrupção, até porque o presidente eleito dobrou a aposta quando convocou o ícone da Lava-Jato, Sérgio Moro, para o cargo de ministro da Justiça. A versão de Queiroz é muito fraca. As movimentações atípicas podem ser mesmo o resultado da sua habilidade em “fazer dinheiro", mas documentos, registros bancários, e testemunhos precisam acompanhar as palavras.

Sobre o dinheiro na conta de Michele Bolsonaro, a explicação do presidente eleito pode ser suficiente. É normal empréstimos entre amigos. Contudo, o financiamento foi dado de maneira informal, deve ter transitado através de um cheque, ou de depósito em conta, de Bolsonaro a Queiroz, porque R$ 40 mil em espécie, na mão, não é comum. As frequentes idas do presidente eleito ao caixa do banco mostram o saudável hábito de saques de valor pequeno suficientes para as despesas do dia a dia.


O Brasil viu casos escabrosos nos últimos anos, e as entradas e saídas de dinheiro na conta de Fabrício Queiroz não têm a mesma dimensão. Mas carecem de explicações que respeitem o grau de sofisticação que o país aprendeu a ter diante do comportamento de autoridades e seus assessores. O ex-presidente que saiu do governo com a mais alta popularidade já vista no Brasil está preso porque na sentença de Moro, confirmada em tribunal de segunda instância, receberia a vantagem de um apartamento da OAS com benfeitorias feitas sob medida. Lula jamais habitou o apartamento, mas o Brasil aprendeu a ler o artigo 317 do Código Penal. Ele diz que nem precisa receber algo. Corrupção é também “aceitar a promessa de vantagem”.

O problema não desaparecerá se não for bem explicado. Não vai adiantar alegar que em outros gabinetes da mesma Assembleia houve movimentações atípicas até maiores. Inútil culpar a imprensa. O que funciona é a explicação boa, sólida, documentada. Se ao senador eleito Flávio Bolsonaro a justificativa dada por Queiroz pareceu plausível e sem ilegalidade, como ele disse, o seu ex-assessor precisa ser instado a apresentá-la diante das autoridades que querem ouvir seu depoimento. O assunto pode, então, deixar de incomodar. E em quaisquer futuras dúvidas da mesma natureza será importante dar explicações sempre sólidas. Este é o ônus do poder, e o resultado de ter sido eleito com um discurso de combate à corrupção.

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