Não faltaram os alertas. No dia 8 de março de 2016, o ministro Marco Aurélio de Mello temia o antagonismo das ruas quando os protestos pelo impeachment estavam no ápice, e as manifestações pró-PT ganharam força, depois da condução coercitiva do ex-presidente Lula no dia 4 daquele mês. “Receio as agressões físicas. Já pensou surgir um cadáver? A história revela que quando um cadáver surge a coisa degringola”, afirmou Mello. Degringolou, e o cadáver é o esforço para civilizar o Brasil.
Já desde aquele episódio a tormenta estava em formação, e traria novas cenas degradantes ao cenário político, como foram os tiros na caravana do ex-presidente Lula em março deste ano, no Paraná. Os disparos atingiram a lataria de dois ônibus que seguiam em carreata que acompanhava o ex-presidente.
O Fla X Flu vergonhoso, no entanto, já passou por cenas bizarras como a do ex-vereador Maninho do PT cedendo à provocação de um manifestante, Carlos Alberto Bettoni, que xingava o senador Lindbergh Farias na porta do Instituto Lula, em São Paulo, cinco meses atrás. Bettoni foi empurrado por Maninho, e bateu a cabeça num caminhão que passava ali. Teve traumatismo craniano, e precisou ser internado. Felizmente, sobreviveu. Muito antes, no final de 2015, o cantor Chico Buarque foi xingado aos gritos, no Rio, no final de 2015, por anti-petistas. Teve também o ator José de Abreu, petista declarado, cuspindo num casal que o xingava num restaurante também no Rio. E petistas com mensagens intimidadoras contra jornalistas quando o ex-presidente ficou no sindicato dos metalúrgicos do ABC antes de se entregar em abril deste ano.
O ataque a Bolsonaro inaugura um novo político muito mais perigoso. Afeta (ou deveria afetar) a já baixa auto-estima do brasileiro, numa semana em que perdemos completamente o chão com o incêndio ao Museu Nacional do Rio. O acervo de dois séculos perdido no fogo revelou o desprezo que temos como sociedade pela nossa memória. A tentativa de assassinar um candidato mostra que também desprezamos a crescente onda de ódio que cegou o Brasil a ponto de uma pessoa se sentir autorizada a tentar assassinar um homem público na frente de uma multidão. Guarda alguma semelhança com o crime contra a vereadora Marielle Franco, muito embora esta última venha ainda mais carregada de dor e impotência. Ela perdeu a vida pelas mãos de um assassino que se esconde até hoje e as respostas não são dadas à altura da gravidade daquele crime.
É urgente a necessidade de estancar essa sangria, traçar uma linha divisória que nos tire dessa espiral deprimente. E isso não será possível com mais mensagens de ódio que fomentem o revide a essa tentativa de assassinato. Todos somos o anjo e o demônio ao mesmo tempo, e é preciso decidir qual dos dois será fortalecido. Se vamos alimentar a pacificação e a empatia por um país mais sadio, ou entrar na onda de justificar o injustificável segundo a cor política.
O Brasil está numa delicada corda bamba e a facada desequilibra ainda mais o país. A tentativa de matar Bolsonaro vai alterar o rumo da campanha de todos os candidatos, que precisarão rever suas estratégias, principalmente os que tinham a comunicação calcada nos ataques à agressividade do que hoje lidera as pesquisas sem Lula na disputa. O impacto das imagens da facada, e a confirmação da gravidade do atentado, sensibiliza a população. Se por um lado cria-se empatia com o candidato, os sentidos ficam mais aguçados para as mensagens reais e oportunistas. Os próprios aliados do capitão da reserva atingido terão de ponderar muito bem suas palavras e ações neste momento de atenção plena para Bolsonaro. A primeira, e fria leitura, é que o acidente o beneficia na corrida eleitoral. Mas, para que o candidato continue competitivo na disputa, será preciso ponderar bem o eixo que se vai adotar. Ainda que a exposição deste momento o favoreça, as provocações que o candidato protagoniza não vão desaparecer da mente de quem já o rejeitava.
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