A polarização da sociedade entre posições extremas criou um ambiente malsão em que se torna difícil alguém formar sua opinião ou mudá-la com base em fatos e argumentos. Em uma sociedade polarizada, uns e outros só tomam como verdade o que confirma sua certeza e desqualificam como mentira tudo que pode vir a questioná-la.
De onde vem e até onde irá a agressividade selvagem e anônima, e, porque anônima, impune, que campeia nas redes sociais? Seguir o dinheiro costuma ser uma boa pista.
O marketing foi indissociável da expansão da sociedade de consumo. Pepsi ou Coca-Cola, os bruxos da publicidade não visavam, a seu tempo, a outra coisa senão canalizar as escolhas dos consumidores na direção desejada. Ninguém esqueceu que um sabão em pó lavava mais branco do que os outros.
As redes sociais, quando surgiram, foram louvadas como territórios liberados. Antes receptores passivos de informações, agora cada um podia se comunicar com muitos, multiplicavam-se as plataformas de discussão e acesso a notícias.
Esta visão idílica das redes teve vida curta. Big data entrou no vocabulário econômico e político. Mark Zuckerberg, inventor do Facebook, tinha o melhor produto do mundo a oferecer: informações privadas que desenham o perfil mais íntimo de cada um de nós, sob medida para induzir a compra de um livro numa livraria virtual ou um voto para a presidência da República.
O próximo passo foi a utilização sub-reptícia de bots e trolls, robôs e agentes provocadores não humanos, que, disfarçados de cidadãos de carne e osso, simulam conversas, semeiam a mentira e a discórdia, instaurando um clima de guerra.
O sinal vermelho sobre a gravidade desta deriva se acendeu com a denúncia de casos de distribuição intencional de informações falsas, diluindo as fronteiras entre a verdade e a mentira. O exemplo mais notório, ainda sob investigação, é o da alegada cumplicidade entre o governo da Rússia e a campanha de Donald Trump para influenciar o resultado das eleições americanas.
Estudo patrocinado por Pierre Omidyar, fundador do eBay, sobre as mídias sociais e os riscos para a democracia revelou que grandes redes como Twitter e YouTube estão expostas à ação clandestina de líderes populistas, interessados em apoiar candidatos extremistas, difundir a intolerância e incitar à violência.
As fake news são urdidas num submundo obscuro e opaco, mas o seu impacto devastador se dá no mundo real. Os princípios da democracia e as regras do direito não têm vigência nestas dobras do mundo virtual. O anonimato nas redes torna ainda mais espinhosa a tarefa de identificar e punir os responsáveis por esses crimes.
Demagogos e populistas estão se servindo desses instrumentos para alavancar sua agenda regressiva. Essa deriva que viola a integridade do processo eleitoral e representa uma ameaça à democracia está em curso na campanha para as eleições de outubro. O TSE ordenou que o Facebook removesse, em 48 horas, cinco postagens de fake news contra a pré-candidata Marina Silva. Quantas terão passado despercebidas? Quantas mais virão?
O primeiro momento no enfrentamento de um problema é reconhecê-lo como tal. A busca de mecanismos que assegurem a lisura das campanhas eleitorais se dará no fio da navalha entre a defesa da informação responsável e a sombra ameaçadora da censura.
Da União Europeia veio um princípio norteador: “Notícia falsa é ruim, mas um Ministério da Verdade é pior”. Não estamos no temido 1984, distopia imaginada por George Orwell. Uma única fonte de verdade será sempre uma grande mentira. Não se protege nem se fortalece a democracia destruindo seus fundamentos.
A Internet é o grande enigma contemporâneo. Há que decifrá-lo antes que essa Esfinge nos devore. Afinal, se com determinação e tecnologia estancou-se a lavagem de dinheiro por que não seria possível coibir a lavagem cerebral?
Rosiska Darcy de Oliveira
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