terça-feira, 8 de maio de 2018

Sob as cinzas paulistanas

Por trás da tragédia da ocupação, incêndio, desabamento e morte num prédio público no Centro de São Paulo há uma história pouco conhecida: o governo federal é o maior administrador imobiliário do país, mas acumula resultados catastróficos na gestão desse patrimônio.

Estima-se em 652,6 mil o número de imóveis de propriedade da União. Dados do Ministério do Planejamento indicam a existência de outros 2,3 mil alugados pelo governo.


O patrimônio público cresce de forma constante, com a incorporação de propriedades de devedores do Erário. Por mais incrível que pareça, depois de 129 anos de República, a burocracia federal ainda não conseguiu ter uma dimensão precisa, o valor exato e dados confiáveis sobre os imóveis da União. Nem mesmo sobre quem são as pessoas e empresas locatárias e ocupantes das suas edificações e terrenos nos 5.570 municípios.

O cadastro federal não é confiável. Relaciona 652,6 mil imóveis e situações esdrúxulas, como as detectadas em recente auditoria. Eis algumas:

*existem 864 terrenos com uma área total inferior a 15 metros quadrados;
*pelo menos 27 imóveis estão cadastrados com uma área igual a "ZERO";
*entre as pessoas e empresas locatárias, pelo menos 26 mil sequer existem para a Receita. Não têm identificação (CPF ou CNPJ) localizável;
*contam-se 36 mil nomes de pessoas físicas na relação de locatários da União que, comprovadamente, morreram há muito tempo;
*outras 1.112 pessoas nasceram antes do século XX. Teriam mais de 117 anos;
dezenas são menores de 16 anos;
*há um grupo de 57 locatários (pessoas e empresas) registrados com nomes que incluem dígitos — algo como “José” ou “Cia.”, “1,2,3,4”...

A negligência é obra de sucessivos governos. E um dos resultados é o desperdício de dinheiro: apesar do patrimônio, a administração federal gasta mais do que recebe com aluguel de imóveis.

A despesa pública com locações imobiliárias para atividades burocráticas e prestação de serviços é de R$ 1,6 bilhão por ano. Isso equivale ao dobro daquilo que o governo recebe com aluguel de bens a particulares, pessoas e empresas.

O quadro piora com o calote privado. O governo cobra taxas — além do aluguel — dos ocupantes ou beneficiários de propriedades da União. Em tese, existem 519.855 imóveis públicos cujos ocupantes estão sujeitos ao pagamento. Na vida real, a maioria simplesmente não paga: “Estima-se em, aproximadamente, 60% de taxa de inadimplência no pagamento de taxas de ocupação e foro devidas”, repetem relatórios oficiais dos últimos 24 meses.

São 312 mil os ocupantes de imóveis públicos que devem e não pagam. O Ministério do Planejamento, que abriga a Secretaria de Patrimônio da União, informa ter iniciado “processo de cobrança administrativa” dessas pessoas e empresas.

Dentro desse grupo de devedores estão 12,6 mil pessoas e empresas, situados em 14 estados e no Distrito Federal, com débitos individuais superiores a R$ 500 mil. Juntos, somam uma dívida de R$ 566,7 milhões.

Sob as cinzas paulistanas tem-se um histórico de incúria com bens públicos, pontuado pela manipulação política da miséria e pela impunidade.

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