terça-feira, 8 de maio de 2018

Pautas disruptivas

A vida nos surpreende. Constantemente. Estive recentemente em Porto Velho, capital de Rondônia. Fui participar da reunião do Conselho Consultivo do Grupo Rede Amazônica. As reuniões ordinárias são realizadas na sede da rede de televisão, em Manaus. Conhecer a operação em outras praças permite sentir o pulso da região, calibrar os desafios e as oportunidades. O saldo foi um mergulho numa realidade fascinante.

Bovinos, soja, leite e café são os principais produtos agropecuários de um Estado que respira empreendedorismo, ousadia e crescimento. O Rio Madeira, afluente poderoso do Rio Amazonas, propiciou a construção de duas importantes usinas hidrelétricas: Jirau e Santo Antônio. Visitei a Usina de Santo Antônio. Surpreendeu-me a qualidade dos estudos e da pesquisa sobre as espécies de peixes: 920 espécies somente no território brasileiro, quase 20% de todas as espécies atualmente conhecidas em toda América do Sul. As pesquisas desenvolvidas pelo Laboratório de Ictiologia e Pesquisa da Universidade Federal de Rondônia em parceria com várias instituições, mas principalmente com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e com a Universidade Federal do Amazonas, resultaram em notável preservação do meio ambiente.

Para além da corrupção e da violência, chagas destacadas em matérias da grande mídia, há muita coisa interessante acontecendo num país que sonha grande, empreende e produz. O sol brilha no Brasil real. E nós, jornalistas, precisamos contar boas histórias. Chegou a hora das pautas disruptivas.


O negativismo da mídia é uma forma de falsear a verdade. A vida, como os quadros, é composta de sombras e luzes. Precisamos denunciar com responsabilidade. Mas devemos, ao mesmo tempo, mostrar o lado positivo da vida. Não se trata, por óbvio, de fazer jornalismo cor-de-rosa. Mas de investir no lado construtivo da vida. O leitor está cansado das sombras. Há uma forte demanda de informação a respeito de iniciativas bem-sucedidas, de projetos renovadores, de políticas públicas que deram certo. Tudo isso é jornalismo de qualidade.

A fórmula de um bom jornal reclama uma boa dose de interrogações. A candura, num país de delinquência arrogante, acaba sendo um desserviço à sociedade. A astúcia não pode ser debelada com terapias ingênuas. É indispensável o exercício da pergunta consistente, da dúvida limpa e honesta. Essa atitude, contudo, não se confunde com o marketing do catastrofismo.

Alguns setores da mídia, em nome de suposta independência e de autoproclamada imparcialidade, castigam, diariamente, o fígado de seus leitores. Dominados pelo vírus do negativismo, perdem a conexão com a vida a real. O jornalismo não existe para elogiar, argumentam os defensores de uma imprensa que se transforma em exercício sistemático de contrapoder. Tem uma missão de denúncia, de contraponto. Até aí, estou de acordo. A impunidade, embora resistente, está se enfrentando com o aparecimento de uma profunda mudança cultural: o ocaso do conformismo e o despertar da cidadania. Por isso a imprensa investigativa, apoiada em denúncias bem apuradas, produz o autêntico jornalismo da boa notícia.

Denunciar o mal é um dever ético. Impressiona-me, no entanto, o crescente espaço destinado à violência nos meios de comunicação, sobretudo no telejornalismo. Catástrofes, tragédias, crimes e agressões, recorrentes como chuvaradas de verão, compõem uma pauta sombria e perturbadora. A violência, por óbvio, não é uma invenção da mídia. Mas sua espetacularização é um efeito colateral que deve ser evitado. Não se trata de sonegar informação. Mas é preciso contextualizá-la. O excesso de violência na mídia pode causar fatalismo e uma perigosa resignação. Não há o que fazer, imaginam inúmeros leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Acabamos, todos, paralisados sob o impacto de uma violência que se afirma como algo irrefreável e invencível. E não é verdade. Podemos todos – jornalistas, formadores de opinião, estudantes, cidadãos, enfim – dar pequenos passos rumo à cidadania e à paz.

A deformação, portanto, não está apenas no noticiário violento, mas na miopia, na obsessão seletiva pelo underground da vida. O que critico não é o jornalismo de denúncia, mas o culto ao denuncismo, a opção pelo sensacionalismo em detrimento da análise séria e profunda. Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo isolamento de algumas redações, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir os seus leitores.

Precisamos valorizar editorialmente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou vielas de paz nas cidades sem alma. É preciso investir numa agenda positiva. A bandeira a meio pau sinalizando a violência sem fim não pode ocultar o esforço de entidades, universidades e pessoas isoladas que, diariamente, se empenham na recuperação de valores fundamentais: o humanismo, o respeito à vida, a solidariedade. São pautas magníficas. Embriões de grandes reportagens. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas, frequentemente desconhecidas do grande público, que, sem alarde ou pirotecnias do marketing, colaboram, e muito, para a construção da cidadania.

É fácil fazer jornalismo de boletim de ocorrência. Não é tão fácil contar histórias reais, com rosto humano, que mostram o lado bom da vida. “Quando nada acontece”, dizia Guimarães Rosa, “há um milagre que não estamos vendo”. O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia a dia. Sair às ruas, olhar no olho das pessoas, ver a vida real. Aí, nas esquinas da vida, encontraremos inúmeras pautas disruptivas capazes de conquistar o interesse dos nossos leitores.

No fundo, a normalidade é um grande desafio e, sem dúvida, o melhor termômetro da qualidade
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