Desde os tempos do mensalão, nós, jornalistas, estamos acostumados a acompanhar ao vivo as sessões do Supremo e já vimos de tudo, até brigas, como a famosa entre Gilmar Mendes, então presidente da Corte e um duro crítico do PT, e o relator do mensalão, Joaquim Barbosa. Era 22 de abril de 2009. Irritado com Barbosa, Mendes afirmou: “O ministro não tem condições de dar lição a ninguém”. Barbosa pediu respeito e respondeu: “Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário”. E continuou: “Vossa excelência, quando se dirige a mim não está falando com os seus capangas do Mato Grosso”. E já desde essa época me lembro de Rosa Weber, silenciosa, concentrada em seus papéis. Nunca a vi interromper um colega e menos ainda desrespeitá-lo, algo que, sim, fizeram com ela.
Se os magistrados têm tanto medo da imprensa, que a ignorem. O que não podem é procurá-la, passar informações a seus jornalistas amigos com uma mão e, com outra, execrá-la. Eles mais que ninguém deveriam ter a consciência de que em todas as ditaduras se começa por demonizar os meios de comunicação e se acaba fechando-os ou censurando-os. Jogar com os ataques à liberdade de informação é o melhor meio de armar quem gostaria de silenciá-la.
Parece às vezes que Gilmar, quando ataca a mídia e diz que “nunca a viu tão opressora”, se esqueceu dos tempos da ditadura militar. Nós jornalistas que já trabalhamos por anos na informação durante uma ditadura, sob um censor, sabemos a gravidade que significa atacar a mídia durante uma democracia. E ainda mais um magistrado, que deveria ser o maior garantidor do direito que a sociedade tem de ser informada. Deveria ser o primeiro a saber que informar é publicar o que o poder quer ocultar. O resto é publicidade.
O sagaz desenhista El Roto, da edição espanhola de EL PAÍS, publicou dias atrás seu cartum com estas palavras: “Não sei se acredito nas notícias falsas ou nas mentiras oficiais”. E referindo-se à vaidade dos homens públicos que tanto gostam de aparecer na mídia que eles amaldiçoam, escreveu: “Ser homem de palavra hoje é um arcaísmo. Agora é preciso ser homem de imagem”. Esse pode ser hoje o drama de alguns magistrados brasileiros que, em vez de se preocuparem em ser homens de palavras e não caniços que mudam com o vento ou com seus interesses políticos, preferem ser homens de imagem.
Como correspondente durante muitos anos deste jornal na Itália, tive de escrever sobre muitos de seus políticos importantes. Quando os criticava, em vez de se irritarem, todas as vezes que havia alguma reportagem sobre eles me mandavam um motorista em meu escritório com um cartão escrito à mão no qual me agradeciam a publicação. Conservo ainda alguns deles. Não era sarcasmo, era inteligência política. Uma noite, em um jantar em que me coube sentar ao lado de Giulio Andreotti, então primeiro-ministro, ao saber que era o correspondente de EL PAÍS, ele me disse: “O senhor escreve mal de mim, mas escreve”. Disse isso rindo.
Os grandes estadistas, os políticos ou juízes importantes costumam estar acima das possíveis críticas da mídia. Eles devem saber que a crítica ao poder faz parte da defesa da democracia. Nesse sentido, com a admiração pelos silêncios de Rosa Weber, mais frutíferos que a fanfarronice de alguns de seus colegas, quero recordar que Dilma Rousseff, em seu discurso de posse como presidenta, afirmou: “Prefiro o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras”. E ela conheceu a ditadura em sua própria carne. Dilma encontrou em seu gabinete um projeto do PT do último Governo Lula para o “controle social dos meios de comunicação”, um eufemismo para indicar a censura. Pelo que sei Dilma mandou deixá-lo num canto e nunca se voltou a falar dele. Seria triste hoje que os dardos contra a imprensa chegassem do palácio do Supremo, templo das garantias de todas as liberdades que a Constituição consagra. Uma das não menos importante é a liberdade de expressão para que a sociedade possa controlar o poder. Todos os poderes.
Também a imprensa? Também, mas só nos tribunais de Justiça, não a partir deles.
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