Na passagem de 2015 para 2016, com Dilma Rousseff na presidência, foi assim: a crise dera um tempo, a presidente freara seu instinto autodestrutivo, o Congresso interrompera o blitzkrieg de pautas-bombas na economia e na credibilidade; entre o final de 2016 e maio de 2017, após importantes vitórias no Parlamento, Michel Temer tocava tambor para avisar de que conseguira a proeza de tomar o sistema. Mas, quando chegou a quarta-feira de cinzas, em 2016, Eduardo Cunha retomou o processo contra Dilma; e, em maio de 2017, o Joesley Day demarcou nova fase na política nacional.
Muita gente que acreditou no fim da crise, na recuperação econômica como elemento de superação do conflito político, se decepcionou. Nas duas ocasiões, a sensação foi assemelhada ao intervalo de Brasil x Alemanha, na Copa de 2014. A derrota era iminente, mas o alívio com a interrupção do vexame — a seleção parara de tomar gols, afinal era intervalo — um Galvão Bueno dentro de cada um sugeria a ilusão de que ''ainda dá''. Mas, com Júlio César, Davi Luís, Oscar e Fred, não deu. Com Dilma e Temer também não.
Com efeito, a ilusão é a primeira flor que nasce, no jardim das incertezas; a esperança, a última orquídea que morre. Mas, é o ceticismo, entre arbustos num canteiro distante, o que mais resiste mais que todos e fica para contar a história do bosque.
Além da continuidade dos conflitos, é difícil afirmar no que o processo pode dar. Mesmo assim, é justo acreditar que nos próximos meses o país seguirá dividido entre os que potencializam os efeitos da recuperação econômica — supostamente capazes de superar os impasses políticos — e os que desprezam esses efeitos, ou antes, colocam o impasse político como um impeditivo para um processo duradouro de recuperação.
Haverão dados e estatísticas para relativizar todas e quaisquer posições. Isto tudo é próprio do ambiente de ''copo meio cheio e meio vazio''. Qualquer positividade parece bem-vinda, mas nem sempre suficiente. O fato é que processos assim carecem de choques políticos mais profundos, com lideranças capazes de criar o novo, reunir apoios e atrair os polos, reduzindo o conflito.
É ano eleitoral e seria de esperar que algo assim estivesse no radar dos analistas. Mas, há poucas esperanças de que a eleição, com o cardápio de candidaturas que se tem, venha a consertar o processo destes anos tortos. A crise de credibilidade de partidos e atores políticos expande o ceticismo e a nada parece mais fora de questão do que a crença de que o Brasil é destinado ao sucesso, pronto a se redimir. Intimamente, desconfia-se que o gigante morreu na danação do sono.
Até aqui, o processo eleitoral não desperta suspeita de novidades — embora sejam vastos os espaços para o surgimento de outsiders. Acreditar na amenização do conflito, como comedimento de agentes, que já estão na pista, é um desconhecer que, em política, as circunstâncias quase sempre têm maior importância que os atores.
Crer na superação das diferenças de um centro moderado parece mesmo confiar na da seleção do Felipão, após cinco gols — no primeiro tempo.
O ano é novo, mas não é de hoje, que todo mundo sabe que ''o que há algum tempo era jovem, novo hoje é antigo''; que as estruturas do sistema político já não dão conta da realidade e que a democracia precisa ''rejuvenescer''. Mas também se sabe que ninguém sequer desconfia o que e como renovar esse processo.
No jardim da incerteza, as folhas das ilusões e das esperanças são destruídas por toxinas de previsões cujos destinos que nunca se cruzam. E a maior ''dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos'' como Belchior.
Carlos Melo
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