quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Quando a pobreza se enraíza no espaço geográfico de um país

François Perroux, o principal economista francês do pós-Segunda Guerra Mundial, destacando-se, inclusive, como pioneiro na concepção da União Europeia, afirmava que o desenvolvimento é um processo seletivo e acumulativo que não aparece em todo lugar ao mesmo tempo, mas torna-se manifesto em certos pontos do espaço, com intensidade variável. De fato, dos 5.570 municípios brasileiros, cerca de 2.000 se localizam em áreas economicamente deprimidas. Em Minas, dos 853 municípios, quase 200 se encontram nessas áreas.

Uma área economicamente deprimida se caracteriza como um conjunto de municípios com um baixo nível de PIB per capita (inferior a 30% do PIB per capita brasileiro), elevados índices de pobreza e de carência de serviços sociais básicos, insuficiência de absorção de mão de obra (elevadas taxas de desemprego aberto, de subemprego ou desemprego disfarçado). Essas áreas se encontram, principalmente, no Sertão e no Agreste do Nordeste do país, no Vale do Jequitinhonha e no Vale do Mucuri, no Norte de Minas e em áreas desmatadas da Amazônia.

Essas áreas têm em comum o fato de que utilizaram, historicamente, sua base de recursos naturais renováveis de forma predatória (florestas tropicais, como a Mata Atlântica e a floresta amazônica) e não renováveis (Ciclos do Ouro e do Diamante em Minas). Na perspectiva da ecologia integral, não se pode segmentar de forma isolada e parcial os indicadores de desenvolvimento humano e os indicadores de sustentabilidade ambiental. A evolução da humanidade e a evolução da natureza são consideradas capítulos da mesma história.

Essa integração se processa pelos modelos de desenvolvimento do território que prevalecem em cada tempo histórico e em cada espaço geográfico. São os modos de consumo, de produção e de acumulação, conjugados com a organização espacial do território. É no processo de ocupação e desenvolvimento (“aménagement”) do território que ocorre a integração dialética entre homem e natureza.

O papa Francisco afirma, em sua encíclica “Laudato Si”, de 2015, que não estamos diante de duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas de uma crise complexa que é, ao mesmo tempo, social e ambiental. É essencial encontrar soluções e estratégias abrangentes que considerem as interações entre os próprios sistemas naturais com os sistemas sociais.

O processo de desenvolvimento sustentável define que o valor de um recurso ambiental (água doce, biodiversidade, climas amenos, ar puro etc.) é igual à soma do valor de uso e do valor de não uso. O valor de não uso considera o legado dos benefícios dos recursos ambientais que serão herdados pelas futuras gerações, os netos e bisnetos dos brasileiros. No caso das áreas economicamente deprimidas, onde o valor dos ativos ambientais e dos serviços ecossistêmicos foi destruído no passado, os indicadores socioeconômicos e socioambientais registram incontestáveis custos ecológicos e sociais.

E quem paga os custos dessa nefasta dívida histórica? É evidente que há custos que são inestimáveis. Outros são compensados por meio de políticas públicas. As populações das áreas economicamente deprimidas são beneficiárias, ainda que de forma precária, de políticas sociais compensatórias, financiadas pela carga tributária que pesa sobre as regiões mais desenvolvidas. Suas prefeituras são financiadas por transferências federais constitucionais e por fundos especiais, tendo como fontes de recursos a riqueza gerada nos Estados e municípios mais bem-aquinhoados. É como se centenas de municípios brasileiros vivessem de mesadas do governo federal. Sua esperança é que “as coisas mudam no devagar depressa dos tempos”, como já disse Guimarães Rosa.

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