O Executivo pode formular e conduzir a política econômica até certo ponto, mas o jogo envolve o Palácio do Planalto e toda a vizinhança. Governar envolve muito mais que a Presidência da República, os ministérios e seus órgãos auxiliares. É preciso levar em conta a amplitude da palavra governar, geralmente usada no Brasil em sentido muito restrito.
Os gringos falam em ramos do governo (branches of government) quando se referem à divisão de funções entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Falar de governo é falar de autoridade e até de mordomias, mas também de obrigações e serviços devidos aos prezados cidadãos. Muitos cidadãos sabem disso nas democracias maduras e cobram a execução do trabalho. Em vez de ramos do governo, os brasileiros mencionam Poderes da República, fiéis, pelo menos quanto ao vocabulário, à tradição francesa.
Poderes e responsabilidades são termos correlatos na linguagem das democracias avançadas ou, no mínimo, razoavelmente amadurecidas. No Brasil a correlação é muito menos clara. A separação de Poderes nem sempre é invocada em nome da boa operação do sistema. Com frequência é lembrada como argumento a favor de vantagens como auxílio-moradia, auxílio-paletó, transporte e mimos até mais custosos, cobrados como direitos por membros do Legislativo e do Judiciário.
Tudo se passa como se, nesse regime, coubesse a cada Poder fixar a própria despesa sem levar em conta as limitações da receita fiscal ou qualquer critério prosaico de prioridade e, portanto, de uso eficiente do dinheiro público. São três Poderes e um só Tesouro, mas cuidar do Tesouro, dando atenção a restrições financeiras, é atribuição do Executivo. Aos demais Poderes a boa ordem republicana só atribui o direito de gastar. A solidez das finanças é assunto do Executivo. É problema do presidente e de sua equipe descobrir como pagar em 2018 o aumento salarial esperado pelo funcionalismo. Se um ministro do Supremo Tribunal Federal proíbe o adiamento, vire-se o pessoal do Executivo para fechar as contas sem violar a meta fiscal, talvez elevando tributos ou cortando gastos essenciais.
No Congresso, a identificação entre governo e Executivo tornou-se mais desastrosa com a multiplicação dos partidos e de siglas vazias de significado programático. Quem é capaz de citar, ou de citar sem hesitação, todos os grupos da chamada base governista? Em democracias mais arrumadinhas, governistas tendem a apoiar projetos com a marca programática do Executivo, porque essa também é, em condições normais, a marca do partido. As dificuldades de Donald Trump com o Partido Republicano de nenhum modo desmentem essa ideia: nesse caso, o presidente é um ingrediente fora do padrão.
No Brasil, a separação entre as noções de poder institucional e responsabilidade governamental tem produzido, entre outras aberrações, a deformação catastrófica de projetos do Executivo, com perdas de bilhões para o Tesouro. Quem desfigurou o projeto do Refis foi um relator vinculado à chamada base governista. Além disso, nenhum projeto razoavelmente ousado, como o da reforma trabalhista e o do teto constitucional de gastos, foi aprovado sem a distribuição de benefícios bilionários. Cada movimento importante envolve uma negociação dispendiosa com os aliados. Pode parecer piada, mas o Executivo paga muito dinheiro para manter o déficit primário dentro do limite legal. Quanto ainda terá de pagar pela aprovação de mudanças necessárias à redução do déficit e ao controle do endividamento público? Nenhuma das projeções econômicas para os próximos anos cita esses valores. Todas incluem o pressuposto – sem os cifrões das barganhas – do avanço nos ajustes e reformas.
Rolf Kuntz
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