sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O homem que não salvou o mundo


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 “Salvator Mundi”, Leonardo da Vinci

Mês passado, “Salvator Mundi”, o retrato que Leonardo da Vinci fez de Jesus como Salvador do mundo, foi vendido em um leilão por $400 milhões de dólares (mais que o dobro do recorde anterior para um trabalho de arte vendido em leilão). O comprador também teve que pagar taxas e comissões adicionais de $50,3 milhões de dólares. A pintura teve inúmeros retoques, e alguns especialistas questionam se é, de fato, um Da Vinci.

O comprador – que muitos acreditam ser o príncipe coroado Saudita, Mohammed bin Salman, representado por um primo distante – pagou um preço altíssimo por uma pintura de um homem que disse a um homem rico: “Vai, vende teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás o tesouro no céu”. Isto torna relevante a pergunta: O que alguém conseguiria fazer disponibilizando $ 450 milhões de dólares para os pobres?

A visão de 9 milhões de pessoas poderiam ser restaurada, para aquelas com cegueira curável, ou, alternativamente, seria possível prover 13 milhões de famílias com ferramentas e técnicas que permitiriam um aumento de 50% na produção de seu plantio de alimentos.

Se quiser seguir a sugestão de Jesus de forma mais literal, você pode simplesmente entregar o dinheiro para as famílias mais pobres do mundo, para que elas o utilizem como quiserem. (…)

Caso ache que os recebedores vão gastar em álcool, apostas ou prostituição, a instituição Give Directly (EUA) fez uma avaliação independente mostrando que, em geral, isso não acontece. As transferências de dinheiro da Give Directly aumentam a segurança alimentar, a saúde mental e mesmo as posses das famílias.

Por $450 milhões, é possível ainda comprar redes de proteção para camas para 271 milhões de pessoas, as protegendo da malária.

Quando uma pessoa escolhe comprar “Salvator Mundi” ao invés de restaurar a visão de 9 milhões de pessoas, o que pode ser imaginado a cerca de seus valores? Uma coisa é clara: ela não se importa muito com outras pessoas. Qualquer prazer que ela, sua família, ou amigos terão ao observar a pintura não pode ser comparado com o benefício de restaurar a visão mesmo que de uma pessoa, quanto mais de milhões.

Certo ou errado, nós damos muito mais importância para os próprios interesses (e o de nossos filhos, parentes e amigos), do que para os interesses das demais pessoas. Quanto mais distante, mais diferentes de nós, maior a taxa de desconto que aplicamos na prática sobre o interesse dos outros.

De fato, existe um ponto a partir do qual o desconto é tão grande, que os interesses dos outros são tratados com tanta indiferença, que precisamos dizer “Chega, isso foi longe demais”.

Podemos, inclusive, dizer que as pessoas mais influentes já ultrapassaram este ponto. Para mim, é inquestionável dizer que este ponto foi muito ultrapassado quando a pessoa se preocupar mais em possuir uma pintura do que com a visão de milhões de pessoas.

Peter Singer

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