Outro pretendente à Presidência da República, parlamentar, disse à deputada Maria do Rosário que não a estupraria porque ela não merecia. Uma agressão que foi parar no Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro virou réu, mas seus possíveis eleitores aumentaram.
Enquanto o Brasil caminha, célere, de volta à Idade da Pedra, no país de Donald Trump, notório predador, um poderoso produtor de Hollywood, campeão de premiações no Oscar, foi apeado de seu trono cinematográfico quando atrizes famosas denunciaram uma prática bem conhecida das mulheres. Harvey Weinstein cobrava propinas sexuais para deixar que essas atrizes ascendessem ao estrelato. A antessala do sucesso era o quarto de hotel do produtor.
Agora, que elas ousaram falar, abriram-se as comportas de um mar de ressentimentos até então represados, que inundaram a imprensa mundial. As francesas ecoaram o protesto das americanas e publicaram na internet milhares de depoimentos sobre situações vividas de assédio, agressões sexuais e estupros. Passada a fase de catarse virtual, foram para a rua. A jornalista Carol Galand, que convocou a manifestação no asfalto, disse que queria fazer uma coisa diferente de uma zoeira nas redes sociais.
Com esses milhões de cacos de vida, vai-se compondo o puzzle perfeito do que é o achincalhe e a violência sexual que, no mundo inteiro, ameaçam as mulheres moral e fisicamente. Essa denúncia, que viralizou nos Estados Unidos e na França, ganhou as ruas e muda uma situação imemorial e global. Quebrou-se o silencio que garantia a impunidade, acabou o medo.
Por um estranho mecanismo gerado na experiência vivida, as mulheres transformavam as agressões que sofriam em sentimento de culpa. Como se de alguma maneira elas provocassem essas agressões, o que lhes foi tantas vezes repetido, sobretudo nas delegacias quando denunciavam casos de estupro e eram acusadas de provocar com as roupas que usavam o estuprador, transformado em vítima de uma irresistível sedutora.
O mesmo acontecia nos casos de assédio sexual. Essa chantagem que paira sobre as mulheres se revela na atitude de empregadores que despedem não quem assedia e, sim, quem é assediada. Na França das liberdades e dos direitos humanos assim foi em 95% dos casos em que mulheres denunciaram seus chefes. O mito da mulher sedutora que desgraça um homem é tão velho quanto Adão e Eva.
As propinas sexuais cobradas por quem tem autoridade sobre as mulheres são uma forma de prostituí-las. Envenenam e muitas vezes invalidam os projetos profissionais daquelas que dizem não. Levantam suspeitas sobre o sucesso profissional das mulheres. Que preço teriam pago?
Esse clima perverso, de promessas, ou o seu avesso, de ameaças veladas ou não, alimentam uma cumplicidade masculina que começa em piadas e comentários jocosos e termina em conivência com as atitudes mais vis. Essa cumplicidade é constitutiva da relação de poder dos homens sobre as mulheres, um fator de humilhação e intimidação que pode atingir qualquer uma, em qualquer idade ou classe social.
A quebra do silêncio torna irrefutável a gravidade de um escândalo mundial: o assédio e a violência sexual ainda são absolvidos pela cultura, mesmo quando proibidos pela lei.
O Conselho Nacional de Justiça divulgou que em 2016 tramitaram nos tribunais mais de um milhão de processos referentes à violência doméstica contra a mulher. Um processo para cada cem mulheres brasileiras. Ao longo do ano passado tramitaram na Justiça mais de 13 mil casos de feminicídio, o assassinato da mulher por ódio, desprezo ou perda de controle sobre ela. O Anuário de Segurança Pública registrou 45.500 casos de estupro em um ano. Cifras de uma guerra suja e covarde.
Dar um basta nessa aberração é um imperativo civilizatório. A violência contra as mulheres não é um hábito doentio que o tempo e a impunidade transformaram em direito não dito. Não pode ser naturalizada, degrada a todos. É um crime contra a humanidade.
Assédio sexual, violência doméstica, estupro, feminicídio são gradações de uma mesma evidência: na segunda década do século XXI, a dignidade das mulheres ainda é uma abstração negada na vida real. O mundo é um lugar selvagem e perigoso para o sexo feminino.
Rosiska Darcy de Oliveira
O Conselho Nacional de Justiça divulgou que em 2016 tramitaram nos tribunais mais de um milhão de processos referentes à violência doméstica contra a mulher. Um processo para cada cem mulheres brasileiras. Ao longo do ano passado tramitaram na Justiça mais de 13 mil casos de feminicídio, o assassinato da mulher por ódio, desprezo ou perda de controle sobre ela. O Anuário de Segurança Pública registrou 45.500 casos de estupro em um ano. Cifras de uma guerra suja e covarde.
Dar um basta nessa aberração é um imperativo civilizatório. A violência contra as mulheres não é um hábito doentio que o tempo e a impunidade transformaram em direito não dito. Não pode ser naturalizada, degrada a todos. É um crime contra a humanidade.
Assédio sexual, violência doméstica, estupro, feminicídio são gradações de uma mesma evidência: na segunda década do século XXI, a dignidade das mulheres ainda é uma abstração negada na vida real. O mundo é um lugar selvagem e perigoso para o sexo feminino.
Rosiska Darcy de Oliveira
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