segunda-feira, 16 de outubro de 2017

O país onde tudo depende

“Depende”. Talvez seja esta a palavra mais nociva do direito tropical nos dias de hoje. Respingando da boca de autoproclamados juristas, serve de pretexto a tudo. Justifica tudo. E, de quebra, impede a justiça de funcionar.

Para os juristas, quase tudo depende. Depende do prazo. Depende do processo. Depende do acusado. Depende do poder. Depende do tribunal. E, acima de tudo, depende de quem está pagando os honorários.

Quase tudo depende. Quase tudo. Não depende da lei. Não depende dos fatos. E, sobretudo, não depende da justiça. Sempre a o império da lei e o estado de direito, promulgam-se decisões cuja logica, quando e se existente, não guarda qualquer relação com a realidade.


É assim que os juristas viraram parteiros de justiça grávida de defeitos. Não importa mais os fatos. Desde que Têmis passou a enxergar, a deusa da justiça leva em consideração o calibre do réu. E deu para produzir decisões cujo efeito ou a jurisprudência tem a validade de maionese em dia de calor.

Talvez a gente tenha, no meio da confusão, esquecido porque foram criadas estas instituições que hoje não se cansam de desapontar, ou de aprontar, conforme o caso.

Já faz tempo que seguir as notícias requer conhecimento jurídico enciclopédico, embora na maior parte das vezes, decorativo. E isto, talvez, seja ainda mais um sintoma grave da degradação institucional que vivemos.

Muito se fala do império da lei. Normalmente nos momentos em que se busca fugir do alcance da lei. E nesta confusão, acabamos por esquecer que o Estado de Direito exige que todos sejam iguais perante a lei; que as leis sejam justas, claras e conhecidas; que a criação e a manutenção da lei e da ordem sejam feitas de maneira justa e eficiente; e que o judiciário seja claro, acessível, produzindo resultados previsíveis que, afinal de contas, sejam apenas reflexos da lei. Seria bom que fosse assim. Seria. Mas não é.

Apesar dos conceitos simples e claros, conseguimos, seguindo nossa velha vocação, carnavalizar o império da lei para além do seu reconhecimento. O Brasil criou um emaranhado de leis tão complexo que não somente torna impossível ao cidadão comum conhecer as leis que o governa, mas também torna difícil sua aplicação.

Incapazes de compreender as leis ou os mecanismos da justiça, cidadãos comuns padecem. O acesso à justiça passa ser função dependente de recursos para o pagamento de advogados, seres que hoje se dedicam a intermediar relações com entre o judiciário e os cidadãos.

Junta-se a isso um judiciário disfuncional, sem norte, dominado por vaidades, interesses, e complexidades sem sentido. Com a possível exceção de bilhete de loteria, nada é mais incerto do que o resultado de um julgamento no Brasil. Especialmente se este for sentença de órgão colegiado.

O resultado já conhecemos. Está evidente no dia a dia. E aparece como peça de escarnio a cada vez que o judiciário é chamado a decidir. Após tediosas horas de erudição falsa utilizada para justificar ausência de coerência, normalmente emitem resultados confusos e somente possíveis em arranjo institucional moribundo.

O certo é que nos trópicos o império da lei inexiste ou é precário. E, sem ele, estamos condenados ao fracasso, eternamente lamentando o que poderíamos ter sido, mas amargando o somos. Habitando o país onde tudo depende.

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