No momento, o humor do Brasil é sombrio. Flerta com a depressão. Compreensível, pois já não há beira do abismo. O que existe agora é a vida no abismo. A corrupção, por epidêmica, levou lama demais ao noticiário. Surgiu um desejo convulsivo de limpeza. Há no ar uma fome de lei. Imaginou-se que a safra punitiva de Curitiba e do Rio de Janeiro aplacaria os apetites. Engano. Enquanto não chegar a Brasília, a higienização parecerá tragicamente incompleta.
Na primeira instância de Curitiba, produziram-se 165 condenações contra 107 pessoas, entre elas Lula. Juntas, somam 1.635 anos, 7 meses e 25 dias de cadeia. No primeiro grau do Rio, emitiu-se uma sentença com 13 condenados, incluindo Sergio Cabral. Somadas, as penas chegam a 153 anos e 4 meses de cadeia. Em Brasília, no foro privilegiado do Supremo, não há vestígio de condenações. Repetindo: nenhum ministro ou congressista encrencado na Lava Jato foi condenado pela Suprema Corte. Denunciado um par de vezes, o presidente despacha como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.
Reza a Constituição que o Supremo não pode mandar prender parlamentares senão em casos de flagrante de crime inafiançável. Deseja-se agora sonegar às togas supremas também o poder de impor aos parlamentares sanções cautelares diferentes de prisão. Estão enumeradas no artigo 319 do Código de Processo Penal. Incluem o afastamento das funções públicas, como decidido em relação a Eduardo Cunha, em 2016. Prevêem também o recolhimento domiciliar noturno, como foi adicionado no caso de Aécio Neves.
Em ação ajuizada em maio de 2016, partidos aliados de Eduardo Cunha alegaram que, a exemplo do que já ocorre com a prisão em flagrante, também as sanções cautelares contra parlamentares teriam de ser submetidas em 24 horas à Câmara ou ao Senado. Que poderiam anular as punições. Pior: em pareceres anexados à ação dos amigos de Cunha, hoje utilíssima para Aécio, a Advocacia-Geral da República e as duas Casas do Legislativo sustentam que o Supremo não tem poderes para punir cautelarmente um congressista.
Se o Supremo exibir nesta quarta-feira um comportamento de Supremo, revelará que o Brasil é um país com direito a um começo. Se decidir que a palavra final sobre sanções cautelares cabe aos congressistas, demonstrará que o Brasil é um país em que as pessoas que vivem de esperança arriscam-se a morrer de fome. Se o Supremo se autoconverter em sub-Supremo, decretando que não tem poderes para adotar providências acauteladoras contra eleitos que assaltam os eleitores… Bem, neste caso, ficará entendido que o Brasil é um país sem jeito.
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