terça-feira, 19 de setembro de 2017

Só tem saída pelo Legislativo

O Brasil não se lembra mais mas foi só a partir de setembro de 2015 que o STF pôs o financiamento privado fora da lei, valendo para 2016. Todo o Congresso Nacional, o presidente e seu vice e os governadores eleitos em 2014 tiveram campanhas financiadas pelo padrão anterior. Os partidos arrecadavam, prestavam contas gerais ao TSE e distribuíam como quisessem o dinheiro entre seus candidatos. Estes podiam ter doações individuais também mas, dispensados de identificar o doador inicial, não precisavam se preocupar com a origem do dinheiro (o que não significa necessariamente nem que ela fosse sempre suja, nem que todos desconhecessem sempre a origem do seu quinhão).

O projeto hegemônico do lulismo e o salto nas proporções e no significado da corrupção implicados, descritos minuciosamente na sentença do mensalão, confirmaram que condescender com esse sistema era um convite ao escancaramento das portas do inferno, e cá estamos nós. Mas essa era a lei e o país conviveu pacificamente com ela desde o fim do regime militar.

Se não se lembrar logo de que os tempos foram assim e seguir embarcando na cobrança com a lei de hoje da ausência de lei de ontem, aceitando a indiferenciação entre “contribuição de campanha” e “propina”, acostumando os ouvidos à identificação de “distribuição de verba de campanha” com “partilha de suborno” o Brasil vai saltar para o colo de uma ditadura. Não pela adesão a esta ou àquela ideia, candidato ou partido mas por exclusão. Como consequência da destruição, um por um, dos personagens que encarnam a instituição criada para construir saídas negociadas e consentidas e da sobrevivência apenas das que existem para exercer o poder ou impor sanções e barrar desvios à lei, seja ela qual for.

Na apuração de fatos para a imputação de responsabilidades por um determinado resultado a ordem dos fatores é tudo. A manipulação da cronologia chegou, entretanto, ao estado da arte neste país em que “nem o passado é estável”. Sim, sem forçar as leis que temos é impossível trincar a muralha da impunidade. Mas forçar a lei é desamarrar o poder, essa força telúrica que corrompe sempre e corrompe absolutamente quando desamarrada. E esse enorme risco calculado tem de ser levado minuto a minuto em consideração.


O acidente da hora introduziu em cena as “condenações premiadas”. Cada um busca leniência como pode e, graças à cumplicidade de seus pares, safou-se o procurador geral e seu fiel escudeiro do flagrante delito com a penitência leve de, em 4 dias, requentar provas e espalhar denuncias para as quais tinha fechado os olhos durante 4 anos. Mas foi só um pânico passageiro. Reassegurado da sua intocabilidade voltou ao estado de repouso a consciência de sua excelência. Desde então o país vem aprendendo rápido. Primeiro, que nada de muito essencial diferencia as partes envolvidas na negociação entre PGR e JBS para vender-nos (e uma à outra) gato por lebre e não entregar nem este. Segundo, que sendo as culpas de quem as têm o que determina quem paga ou não pelas suas é a panela à qual pertence o culpado. E por último que quem decide qual tiro vai virar “bomba” ou ser reduzido a traque não é o calibre do fato mas o tamanho do barulho que a televisão fizer em torno dele.

Os inocentes e os “iludidos” que restam cada vez mais, tendem a estar, portanto, entre os que persistem em acreditar que as generalizações e a recorrência da subversão da ordem dos acontecimentos até nas altas esferas judiciárias em que se tornaram a regra sejam só erros fortuitos induzidos pela indignação. Mesmo que fossem, aliás, a consideração prática a não perder de vista nunca é que anulados os representantes eleitos substituíveis a cada quatro anos o que sobra são 11 + 1 que nomeiam-se mutuamente para cargos vitalícios e que as rupturas da ordem democrática dão-se, hoje, por falência múltipla das instituições de representação do eleitorado em processos espaçados em anos de “abusos colaborativos” dos que as minam por dentro e dos que as atacam por fora, até que se crie uma situação irreversível.

De qualquer jeito, se por um milagre do divino o Judiciário se tornasse blindado contra todas as tentações dessa luta pelo poder de criar e distribuir privilégios que está arrasando o Brasil ele nada poderia fazer para nos desviar do rumo do desastre porque sua função não é reformar leis e instituições defeituosas, é impor o cumprimento das que existem do jeito que são, e as nossas estão reduzidas a instrumentos de expansão continuada e perenização dos ditos privilégios dos quais, incidentalmente, os servidores do judiciário e do ministério público são quem mais nababescamente desfruta, tanto na ativa quanto depois de aposentados.

Exilado da modernidade e miserabilizado como todo povo reduzido à impotência pelos burocratas do estado antes ou depois do Muro, o brasileiro só não encontrou ainda as palavras exatas para definir isto em que se transformou. Quem quiser que se iluda com as peripécias dos 200 da Bovespa. A arrecadação a zero é que dá o retrato do que estão vivendo os 200 milhões com a precisão implacável do supercomputador da Receita Federal que só a NASA tem igual. Os donos do Brasil investem em drenar o nosso bolso o que os Estados Unidos investem para conquistar o Universo, e nem um tostão a mais, e é isso que define a relação entre “nós” e “eles” que as nossas leis como são hoje impõem e o Judiciário exige.

Isso chama-se es-cra-vi-dão.

Só o Legislativo pode mudar as leis. E quando faz isso obriga automaticamente o Judiciário. Por isso o Judiciário tem trabalhado com tanta fúria para comprometer a pauta do Congresso, a flechadas, com tudo menos com reformas que toquem nas leis que garantem a privilegiatura. Nada senão a força do povo pode destravar esse cabo-de-guerra. Mas só um ataque radical e inequívoco ao privilégio apresentado expressamente como a alternativa decente para a exigência de mais sacrifícios para manter os dos marajás intactos pode tirar o povo da sua letargia.

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