quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Heróis ou servidores?

A divulgação das delações que escancararam as relações espúrias entre políticos e empresários, bem como a reprodução das gravações de suas conversas telefônicas, entremeadas de palavrões e expressões chulas, reforçaram entre nós a convicção de que a crise que assola o Brasil não é apenas econômica e social, mas também moral. Longe de ser exclusividade de um único grupo ou partido político, a imoralidade e a corrupção se revelaram bastante abrangentes, incluindo indivíduos e líderes das mais diversas instituições e corporações nacionais.

A consequência nefasta mais evidente dessa imoralidade, em que o interesse pessoal aparece acima do interesse coletivo e das leis, revela-se no impacto negativo que a corrupção tem no crescimento econômico e no desenvolvimento do país. Em editorial de 4/4/2015, Consequências da corrupção, o Estadão abordou o tema, demonstrando como a corrupção afeta diretamente setores importantes, como infraestrutura, saúde e educação.

Um pouco menos perceptíveis, mas não menos prejudiciais à saúde do País, são as repercussões da corrupção no próprio campo moral. Entre elas, o fortalecimento de uma espécie de maniqueísmo em que os “representantes do bem” teriam por missão restaurar a vida pública brasileira, diante de suas mazelas, e dissipar as trevas que envolvem o cenário nacional. Em grande medida, é o mesmo discurso do “nós” contra “eles” do ex-presidente Lula da Silva.

O problema da visão maniqueísta, como demonstra o professor da Harvard Business School Bill George em seu estudo Why Leaders Lose their Way? (Por que líderes perdem o seu rumo?), é que ela não nos ajuda a compreender e a solucionar o problema da corrupção, ao contrário, torna ainda mais nebulosa a complexa teia causal que faz tantos líderes abandonarem a ação ética para se engajarem nas mais diversas atividades ilícitas e imorais. Segundo Bill George, que entrevistou vários líderes de sucesso de grandes organizações e analisou muitas histórias de líderes que fracassaram, poucas pessoas buscam a liderança com o intuito de roubar ou fazer o mal, mas, como a liderança é uma atividade altamente estressante, desafiadora e sedutora em muitos sentidos, diversos líderes abandonam seus preceitos morais e cedem às tentações que surgem em seu caminho. “Líderes que perdem o seu rumo não são pessoas necessariamente más (...) e todos nós temos a capacidade de fazer coisas das quais possamos nos arrepender, a menos que estejamos firmes”.


O professor de Harvard afirma que a capacidade do líder de resistir às seduções está intimamente vinculada à motivação primária que o leva à busca da liderança. Antes do início de sua caminhada o pretendente ao posto deve se perguntar: por que eu quero liderar? Ou: qual é o propósito da minha liderança? Se a resposta honesta a essas perguntas, que pode levar décadas para ser encontrada, for “prestígio”, “poder” e “riqueza”, então o líder estará arriscado a se apoiar em tais gratificações externas para alcançar a sua realização pessoal.

Nesse caso, as recompensas dessa natureza experimentadas por ele durante o exercício de sua atividade acabam por estimular ainda mais esse seu desejo inicial, que será sempre crescente, mas jamais plenamente saciado. Cria-se uma necessidade profunda de manutenção desse processo, frequentemente motivada pela ânsia de superação de feridas narcísicas da infância, cujo resultado é tanto o apego excessivo do líder ao posto que lhe confere tais gratificações quanto sua incapacidade de suportar críticas e o contraditório. A fim de resguardar a imagem distorcida que faz de si mesmo, o líder recorre aos mais diversos álibis para justificar seus erros, jamais assumindo a responsabilidade por seus fracassos. Com o mesmo propósito, cerca-se de bajuladores, que reforçam o seu narcisismo, e afasta de seu convívio, ou tenta calar, todos os que visam a confrontá-lo com a realidade dos fatos. Valendo-se de seu poder, seu carisma e suas habilidades de comunicação, força as pessoas a aceitarem tais distorções, podendo levar organizações inteiras a perderem o contato com a realidade.

Para Bill George, o líder capaz de evitar essas armadilhas é aquele que não deseja ser “herói”, mas “servidor” das pessoas sob a sua liderança. Nesse caso, a satisfação interior proveniente das contribuições significativas do exercício de sua liderança ocupa o lugar da ânsia por gratificações externas. Para isso é necessário que o postulante à liderança mergulhe em seu próprio interior, conheça as suas motivações e descubra se a sua busca não significa fundamentalmente uma resposta às necessidades de seu próprio ego.

Em meio a uma atividade altamente estressante e desafiadora, o acadêmico de Harvard propõe ainda que o líder seja disciplinado e adepto de práticas de combate ao estresse e manutenção do seu equilíbrio interior, tais como o lazer, o silêncio e os exercícios físicos e/ou espirituais. Do mesmo modo, é fundamental que ele esteja cercado de conselheiros sensatos e sinceros que possam auxiliá-lo em meio às incertezas e diante das difíceis decisões que se apresentam cotidianamente. Deve, igualmente, cultivar a proximidade e o convívio com pessoas (familiares e amigos) que não se impressionam com seus títulos, seu prestígio e sua riqueza, mas se preocupam justamente com a possibilidade de que tais gratificações exteriores estejam causando a perda de sua autenticidade.

A História recente do Brasil comprova a tese de Bill George, demonstrando que a solução para a crise moral que assola o nosso País não passa pela adoção de fórmulas maniqueístas simplistas que desconsideram a complexidade do exercício da liderança, bem como o fato de que a luta entre o bem e mal se trava, principalmente, no coração de cada um de nós.

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