quinta-feira, 23 de março de 2017

'O modo natural de se fazerem negócios e política no Brasil'

A sensação que se tem hoje, leitor, quando surge mais uma operação da Polícia Federal, como esta última, inadequadamente chamada de Carne Fraca, é a de que tudo está podre em nosso país. Refiro-me à atividade que tenha no enriquecimento pessoal seu único objetivo, qualquer que seja o ramo. Ninguém escaparia de um pente-fino.

Foi no mínimo oportuna, em recente artigo no “Diário do Comércio”, a lembrança, pelo empresário Stefan Salej, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), da frase de Hamlet, que dá título à peça teatral de William Shakespeare: “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. Ela se ajusta, como uma luva, ao momento de vergonha, ou de nojo mesmo, por que passamos todos nós.

Segundo Salej, esse dramático episódio “vai custar milhares de empregos”, além de acabar depressa “com o mito de que o agronegócio era uma maravilha”. “Vai afetar todo o setor agrícola e sua posição no mundo. Há algo de podre além da carne”, disse o empresário.

Quem não gostou nem um pouco da operação Carne Fraca, e, portanto, também não concorda com o que afirmou o ex-presidente da Fiemg, foi o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Sérgio Turra, que, como o próprio sobrenome o demonstra, não perde uma disputa acirrada. Ele considera a operação da PF exagerada, “dando a impressão de que a carne brasileira é toda fraudada, nada é confiável”. “Foi muito forte esse discurso”, arrematou.

As duas opiniões contêm verdades. A primeira se deixa levar pelo (quase) desespero, tais e tantas têm sido as causas da enorme decepção com o empresariado brasileiro, que, como disse Salej, aceita métodos escusos “como facilitadores de negócios”. A segunda tem lá suas razões quando diz que os casos ocorridos são apenas pontuais.

Na realidade, leitor, ninguém deveria espantar-se com o que acontece hoje em nosso país. Vivemos a culminância de tudo que aconteceu no passado, tanto distante quanto recente. Ouço a frase “precisamos passar a limpo este país” há mais de meio século. Surge em toda crise, mas ninguém – nenhum de nós – se dispõe a levá-la a sério. A penúltima – a do mensalão – veio com força, mas tudo “ficou como dantes no quartel de Abrantes”. As aflições passaram, e a vida continuou.

Agora, com a operação Lava Jato, devolve-se ao país nova oportunidade para que seja passado a limpo. A tarefa é hercúlea. Ninguém a conduzirá sozinho. Os Três Poderes têm que se entender. Não foi à toa que o ministro do STF Luís Roberto Barroso, em aula inaugural para alunos de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio, numa tentativa de explicar a corrupção disseminada no Brasil, deu mais uma largada ao precisar o que levou o país à situação atual: “Não foram falhas pontuais, individuais, pequenas fraquezas humanas. Foi um fenômeno sistêmico, estrutural, generalizado. Tornou-se o modo natural de se fazerem negócios e política no Brasil. Esta é a dura e triste realidade”.

Ainda segundo o ministro, nosso direito penal foi o responsável pela construção de “um país de ricos delinquentes, um país em que as pessoas vivem de fraudes em licitações, de corrupção ativa e passiva, de peculato, de lavagem de dinheiro. Isso não foi um acidente”.

O que afirmou o ministro me lembrou frase dura do ex-presidente da Usiminas Amaro Lanari, dita há muitas décadas: “Minas e, de resto, o Brasil não têm empresários. Têm ganhadores de dinheiro”.

Lanari e Barroso foram perfeitos no diagnóstico.

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