Caixa 2 eleitoral, por exemplo. Ninguém se surpreendeu quando Emílio Odebrecht disse que sua empresa fazia isso desde os tempos de seu pai.
Mais, ninguém se surpreende quando os políticos de amplo espectro dizem que caixa 2 é uma coisinha de nada, um crimezinho comum. Por que toda essa gritaria? — como, aliás, repetiam os políticos de antigamente.
E parece que, de repente, todo o sistema está enrolado no caixa 2, depois que o STF, o Ministério Público, o juiz Moro, todos observaram o óbvio: é roubo, é dinheiro lavado.
Reagem em Brasília: precisamos de uma anistia.
Agora, que todo mundo já viu a sujeira? Sem chance.
Mario Henrique Simonsen já percebia que a coisa era mais complicada. E até ofereceu uma solução pragmática, digamos assim. Muitas vezes, observava, é melhor pagar a propina e não fazer a obra; sai mais barato.
O que é isso, professor? — tal era a reação.
Também faz tempo que todo mundo sabe que o sistema eleitoral é inviável. Que há partidos demais, que as coligações necessárias para governar escancaram as portas do fisiologismo e da corrupção, que as eleições são cada vez mais caras, também criando a oportunidade — ou necessidade, dizem alguns — de arranjar muito dinheiro por fora.
E parece que, de repente, se percebe que, para pagar por fora, as empresas precisam ganhar por fora, colocando um sobrepreço nas obras. Melhor assim, diziam os mais cínicos ou mais realistas, do que economizar no cimento, por exemplo, e fazer estradas e estádios de má qualidade.
E acabamos ficando com as duas coisas: obras de qualidade, supercaras, e obras baratas, logo estragadas.
Finalmente, a economia. Foi ontem que ouvimos falar do déficit da Previdência? Ou que o sistema tributário brasileiro é o pior do mundo? Ou que a legislação trabalhista só protege o emprego de quem está muito bem empregado, sendo um obstáculo à abertura de novas vagas?
Assim chegamos aos dias de hoje, outra incrível combinação de dificuldades. Há uma tarefa gigantesca pela frente:
— reformar o sistema eleitoral às pressas, num momento em que as lideranças políticas foram flagradas fazendo a coisa errada, de um “simples” caixa 2 a gordas contas no exterior. (Notem o impasse: está vetado o financiamento eleitoral por empresas, e não há dinheiro público suficiente para pagar as campanhas nacionais de 2018);
— reformar ao mesmo tempo a Previdência, a legislação do trabalho, o sistema tributário e as regras para obras públicas;
— e levar a cabo o combate à corrupção, o que somente será possível com a punição de toda a tropa apanhada.
Aqui, aliás, há um outro velho problema que parece surpreender: a Justiça é lenta, especialmente o STF. Na verdade, a dificuldade aqui é maior, dado o que se ouve de ministros da Corte: é assim mesmo, o STF não está preparado para ações penais, paciência.
Mas a população já perdeu a paciência. Talvez ainda não com o STF, mas vai perder se os ministros não arranjarem um meio de acelerar os trabalhos referentes à Lava-Jato. Especialmente porque a publicidade dos processos e das delações torna imediato o julgamento popular e político.
Imaginemos agora que a descrição acima se referisse a um outro país qualquer e que nós, brasileiros, ficássemos sabendo da história hoje. “Esses caras estão ferrados”, é o que diríamos. É o que muita gente diz lá fora.
Mas já houve momentos em que o Brasil se meteu na mesma combinação de problemas e — milagre! — conseguiu sair. Nem faz tanto tempo assim.
Na era FHC, contando do tempo em que ele era ministro da Fazenda, o país matou a hiperinflação (que era um problema de quase três décadas); saiu da recessão; fez um enorme ajuste nas contas públicas, inclusive com uma reforma da Previdência; privatizou um monte de bancos, empresas e serviços; fez uma quase reforma tributária, conseguiu uma estabilidade político-eleitoral, que permitiu a ele, FHC, ser, em 42 anos, o primeiro presidente eleito pelo voto popular a passar a faixa para outro presidente eleito.
Há esperanças, portanto.
Mas foram anos de estagnação antes daquelas mudanças. É a alternativa que temos hoje: ou se fazem todas essas reformas ou serão anos de paradeira econômica e social até o milagre.
Carlos Alberto Sardenberg
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