quinta-feira, 16 de março de 2017

A propósito do caixa 2: 'Em terra de murici, cada um cuida de si'

A luta que insiste em separar o caixa 2 de propina me lembrou provérbio nordestino que parece ter-se transformado, há muitos e muitos anos, em lei maior em nosso país. Essa lei prosperou a partir da redemocratização, no governo Collor, passou por Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, conquistou maior relevo nos governos petistas. Na verdade, porém, essa “tendência” em querer demonizar uma classe, que já fez muito mal ao povo brasileiro, não deixa de ser um tremendo escape, usado por outras classes (ou por todas elas?) que fizeram e fazem caixa 2 como saída para fugir do Fisco.

Alguns chegam até a afirmar que, sem essa prática – que “é modelo reinante no país”, segundo o patriarca da família Odebrecht, Emílio, ou que é, segundo o ex-ministro José Eduardo Cardozo, “recorrente no país” –, nenhuma empresa, de pequeno, médio ou grande porte, sobreviveria por muito tempo. Dizem que o caixa 2 chega a ser “atitude patriótica”: no fundo, defende, com unhas e dentes, o emprego...

Mas deixemos isso pra lá (as mazelas de nosso povo e, em consequência, de nossos políticos, eleitos por nós, leitor, são de fato incomensuráveis e inumeráveis!) e encaremos o muricizeiro – uma espécie rústica que se desenvolve, com facilidade, em solos arenosos. Seu fruto, o murici, é típico do sertão nordestino. Permanece sempre florido e bonito em época de seca braba. E, quanto mais florido fica o muricizeiro, segundo a lenda, mais difícil fica a vida do sertanejo.

O provérbio, que está no título destas linhas, data de 1896, quando o arraial de Canudos, no sertão baiano, sofreu invasão das tropas comandadas pelo general Moreira César. Mortalmente atingido pelos “rebeldes”, o general deveria ser substituído pelo coronel Pedro Nunes Tamarindo. Apavorado, o coronel arrepiou caminho e abandonou a luta dizendo que, “em terra de murici, cada um cuida de si”.

Não há duvida de que o “crime de caixa 2” tem nuances que precisariam ser definidas, mas que, até prova em contrário, não podem sê-lo por meio de “autoanistia”. Essa figura, disse-o o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, simplesmente não existe: “A Constituição não concebeu o instituto da anistia em matéria eleitoral. O instituto da anistia não foi concebido com o intuito de autoperdão. O Estado não pode perdoar a si mesmo, é inconcebível, um disparate, um contrassenso. É a negação do Estado de direito. Não existe”.

Por outro lado, talvez por estar de olho no que são, na realidade, desde remotas eras, as eleições no Brasil, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que a ameaça à estabilidade política do país pode pesar na decisão do julgamento da chapa formada por Dilma Rousseff e Michel Temer. Sobre o caixa 2, Gilmar considera que ele tem que ser desmistificado também: “Necessariamente, ele não significa um quadro de abuso de poder econômico. Temos a doação plenamente legal. Tem essa chamada ‘doação legal’ entre aspas, (oriunda de) propina. Temos a doação irregular, informal, caixa 2, que não teria outros vícios. E podemos ter também essa doação irregular, informal, (oriunda de) propina, portanto com o objetivo de corrupção”.

Talvez seja hora de se lembrar do provérbio do coronel Tamarindo, mas com um objetivo nada desonroso. Cada acusado, que sabe o que fez, cuide de si e se defenda no processo mostrando a verdade. Não seria nos autos, enfim, que se poderia fazer a distinção?

Nenhum comentário:

Postar um comentário