A reunião do ministério foi naquele dia secreta, isto é, não foi anunciada nos jornais. Especialmente convidados, compareceram também, com o informante, o prefeito de polícia e o inspetor dos detetives (aguazil-mor).
El-Rey Pechisbeque abriu a sessão fazendo um gesto de quem ia colher o manto de arminho, crivado de abelhas merovíngias, e depositou em cima da mesa uma magnífica “Santa Luzia” de cinco olhos, todos eles com incrustações de marfim e ouro. Era o seu cetro característico de Carlos Magno com que figurava os seus retratos pululantes.
Dirigiu-se, em primeiro lugar, ao ministro das Tropas Militares. Ao contrário das outras sessões ministeriais, Pechisbeque, o grande rei da Pacóvia, não estava de bom humor e muito menos gaiato. Falou gravemente:
— Sr. dr. Karagafulos: o que vossa excelência sabe de anormal da tropa?
— As praças andam muito contentes com o novo uniforme sudanês que lhes impingi; mas os oficiais não estão contentes. Tenho tomado as providências; mas…
— Bem. Era de esperar. Mas não há nada como um dia atrás do outro.
— O poderoso rei da Nova Zembla não os elogiou tanto?
— Não os cumulou de distinções e condecorações? Quem foi que promoveu a visita do rei Savoff a nossa terra e, portanto, os elogios que eles receberam, e os “crachás”?
— Fui eu? Ingratos! Mil vezes ingratos! Contudo…
— Eles se queixam, acudiu o ministro dos Buquês de Recreios Reais; eles se queixam da carestia da vida.
— Ora, bolas! Soldado é soldado! Deve estar afeito a tudo. Os de vossa excelência, sr. ministro dos meus Buquês, também se queixam?
— Também, majestade; mas a marinhagem, nas horas de recreio, pesca de caniço, crocorocas, micholas, canhanhus, cação-viola; e assim melhoram o rancho ou vendem o pescado, para aumentar o soldo. Encontraram um derivativo…
— E os oficiais?
— Também se entregam à pescaria.
— Sábia gente!
— Assim mesmo, majestade, não andam contentes; murmuram, observa o ministro de Vistas Escuras.
— Como?! — admirou-se Pechisbeque. — Se eles,
para pescar, não pagam imposto, não empatam capital em canoas e botes? Qual! Como é que vossa excelência sabe disso?
— Por informações aqui do excelentíssimo juiz de fora Jemi.
— Sr. Jemi — indagou o rei —, como é que o senhor tem notícia desse fato?
— É, majestade sereníssima, é o que me informa o aguazil-mor que aqui está, a meu lado.
— Seu Manchique — fez arrebatadamente o rei —, como é isso?
— Trago-lhe aqui um relatório completo do que se diz na cidade.
— Dê-mo, Manchique.
O chefe dos aguazis passa ao poderoso imperante um calhamaço grande como todos os diabos, Pechisbeque folheia-o, põe-se a lê-lo aqui e ali; e, afinal, vira-se para o ministro das Vistas Escuras e diz:
— Sr. ministro: vossa excelência precisa combinar com meu mano, o condestável do Reino e prefeito do Pretório, diversas providências de urgência. Não há que contar com este povo. Dou-lhe festanças e… sr. ministro das Vistas
Escuras, tome as suas providências?
— Quais, majestade?
— É preciso adquirir mais “tanks”, e dos mais poderosos; requisitar imediatamente canhões do Ministério da Tropa, que neste momento recebe ordem para entregá-los; comprar modernos e poderosos aviões de guerra. Tudo isto deve ser entregue à “Guarda do Pretório”, que está
sob o comando do mano, no mais breve espaço de tempo. A “guarda” será desde já aumentada no dobro do atual efetivo. Res, non verba, sr. ministro.
E, tímido e obediente, o ministro do Tesouro, até ali calado, resolveu então falar:
— Majestade, e a crise? E o câmbio? E a carestia? E a miséria que vai pelo povo?
— Mas — falou o rei amigavelmente —, Homero, você não está vendo que tomei agora mesmo as necessárias providências, para solucionar todas as dificuldades que o país atravessa. Você não ouviu o que eu disse ao “Vistas Escuras”. Está tudo resolvido. Agora temos que tratar dos festejos comemorativos ao aniversário do príncipe herdeiro da Birmânia. Mãos à obra!
Lima Barreto, "Sátiras e outras subversões"
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