quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Candidato a Nero

O novo presidente americano, Donald Trump, iniciou seu governo como seriíssimo candidato a Nero do Terceiro Milênio.

Trump reduziu a cinzas a Parceria Transpacífica, anunciou que em breve fará arder em chamas o bloco Nafta – EUA, México e Canadá –, jogou na fogueira o Obamacare - a reforma da saúde que beneficia 20 milhões de americanos-, além de trocar a agenda ambiental de Obama por outra bem mais quente: estímulos ao uso de combustível fóssil.

De quebra, eliminou a versão em espanhol do site da Casa Branca e determinou o fechamento da conta do Twitter e Facebook em espanhol. Com relação ao portal, também imolou a página sobre os direitos homossexuais.


As primeiras medidas de um presidente piromaníaco fazem antever uma América e um mundo bem pior do que imaginava o mais pessimista dos pessimistas.

Nunca um presidente da maior economia e democracia do planeta causou tantos temores em tão pouco tempo.

Donald Trump está em guerra contra tudo e contra todos.

Contra os latino-americanos e outros imigrantes, contra a União Europeia, a Otan, o México, o Canadá, o Peru, o Chile, a China e os outros países asiáticos, contra conquistas históricas das mulheres, como o direito ao aborto. Contra a imprensa, contra a verdade; agora contraditada por “fatos alternativos”.

Para fazer a “América voltar a ser grande”, Trump pretende incendiar os valores e a ordem mundial do pós-segunda guerra e da globalização, pautados na livre circulação das mercadorias e das pessoas, na diversidade, no fortalecimento dos fóruns multilaterais, do fim das barreiras e dos muros.

Conseguirá seus intentos?

Difícil de crer. A América das jornadas dos direitos civis de Martin Luther King, das manifestações contra a guerra do Vietnam, da contracultura dos anos 60 e da segunda onda feminista, mostrou sua cara na marcha das mulheres, um dia depois da posse do 45º presidente americano.

Essa maioria estrondosa deu o seu recado. Não aceitará recuos nos direitos individuais ou em questões ambientais.

Numa América dividida ao meio, Trump resolveu travar uma guerra particular com a imprensa no segundo dia do seu mandato, desafiando um dos valores mais caros dos americanos: a liberdade de imprensa. Não conte, portanto, com refrigério por parte dos meios de comunicação.

Também não se espere do restante do planeta boa vontade com o novo presidente dos EUA. Sua opção pelo isolacionismo levará a novas conformações geoeconômicas. Não só na política inexiste espaço vazio. Na economia e no comércio também.

A saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica levará os demais países a buscar um rearranjo, tendo a China como eixo gravitacional.

Sem perceber, Trump pode estar cavando a cova do “Império Americano” ao criar as condições para que os chineses sejam, cada vez mais, o principal polo de atração na economia mundial.

Vivemos, de fato, num mundo dos paradoxos. Um presidente capitalista prega o protecionismo, a Rússia se tornou um país de piratas reais e virtuais e um presidente comunista, Xi Jinping, é aplaudido em Davos pela elite empresarial por pregar o “respeito às normas internacionais” e elogiar a globalização como “resultado natural da evolução científica”.

O mesmo vale para a União Europeia, a quem Trump quer ver pelas costas. Idem para o México e Canadá

O novo presidente americano mete tanto medo que, paradoxalmente, tende a crescer na Europa o sentimento de união, em contraposição à vaga nacional-populista, fenômeno observado por Daniel Cohn Bendit em lúcida entrevista publicada no Globo.

Poderá ainda fazer renascer o antiamericanismo, particularmente em países de larga imigração ou de histórico de conflitos com os EUA, como é o caso do México.

Em um mundo de conflitos e contenciosos aquecidos, dispensam-se candidatos a Nero.

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