sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Antologia da gafe política traz Temer sem brilho até para falar besteira

Quando, no intervalo de poucos dias, o presidente da República troca o nome da moeda do país depois de sofrer um AVC (Acidente Vocabular Constrangedor) e um ministro do STF diz que não precisa viajar para “combinar coisa espúria”, podemos ser tentados a declarar aberta a temporada da gafe.

Seria um erro. Por mais que a era Trump prometa uma apoteose de disparates que obrigue a cultura ocidental a redefinir o próprio conceito de inconveniência política, a temporada da gafe é sempre. Vem de épocas imemoriais e nunca deu refresco, ainda que, na minha infância, esse tipo de desastre verbal cômico fosse chamado principalmente de “rata”.

(O que estará havendo com essa boa e peluda gíria brasileira nascida nos primeiros anos do século passado? Por que “gafe”, termo importado do francês “gaffe”, se impôs tão inapelavelmente sobre “rata”? Um caçador de estrangeirismos como o português Vasco Botelho de Amaral ficaria triste de ver que ninguém deu bola para sua recomendação de substituir “gafe” por “cinca”, “estenderete” ou “fífia”, que lástima!)


Mancada, fora, deslize, lapso – qualquer que seja seu nome, o fato é que a gafe assume formas variadas. O fiasco pode ser fruto de um mero descuido, tropeço irrefletido, como no caso dos “cruzeiros” de Michel Temer. Também pode resultar do oposto, de um excesso de cuidado e reflexão, como se viu na escolha pusilânime, pelo mesmo Temer, do substantivo “acidente” para designar o massacre na prisão amazonense. Tudo muito ilustrativo, embora passe longe de merecer destaque na história da rata.

Às vezes ela é uma troca simples de palavras. Errar é humano, alegam os réus cheios de razão, mas sempre resta a vergonha de um ato falho que revela preconceito ou ignorância. O presidente americano Ronald Reagan ergueu em um jantar solene no Palácio do Itamaraty, em 1982, um brinde “ao povo boliviano”. Dilma Rousseff afirmou em maio do ano passado que “índios no Brasil morriam por falta de assistência técnica”.

E o que dizer da chanceler alemã Angela Merkel trocando um François por outro para se referir ao presidente francês Hollande, que estava bem ao seu lado, como Mitterrand? Ou de José Serra garantindo que vivemos nos “Estados Unidos do Brasil”?

Fazer confusão com palavras é chato, mas há deslizes mais comprometedores. Às vezes o falante diz exatamente o que pensa, mas a repercussão negativa da frase o obriga a tentar explicá-la, quando não a se desculpar. O tropeço aqui é político. Lula declarou que a mulher “tem que ser submissa [ao homem] porque gosta dele” e não por um prato de comida. Fernando Henrique Cardoso cunhou uma de suas tiradas inesquecíveis ao criticar os “vagabundos” que se aposentam antes dos 50 anos de idade.

Existem mancadas para todos os gostos. Meu tipo preferido é aquele em que o constrangimento decorre não de ideias polêmicas ou de trocas de palavras, mas do completo embananamento verbal do falante.

Com a palavra, titãs indiscutíveis do gênero. George W. Bush: “Médicos demais estão saindo do mercado. Muitos obstetras e ginecologistas de todo o país não estão podendo praticar seu amor com as mulheres”. Dilma Rousseff: “Não acho que quem ganhar ou quem perder, nem quem ganhar nem perder, vai ganhar ou perder. Vai todo mundo perder”. Menos, claro, os humoristas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário