Emma Morano sustentou-se sem ajuda até os 115 anos. Segundo ela, o segredo por detrás de uma vida tão longa está na boa e velha grappa, que bebe regularmente, nos três ovos crus que come todos os dias, e no soberano desprezo com que olha para frutas e legumes. Os médicos, é claro, estão muito mais inclinados a pensar que Emma beneficiou de simples vantagem genética, além de alguma ajuda da moderna medicina.
Se tivéssemos nascido há mil anos não poderíamos esperar envelhecer. O mais provável seria morrermos ainda crianças, vítimas de fome ou de uma infinidade de doenças que, entretanto, já vencemos. Se conseguíssemos sobreviver a esses primeiros anos, seríamos certamente mortos, um pouco à frente, de forma muitíssimo violenta. Raras pessoas ultrapassavam então os 25 anos. A humanidade vivia em permanente estado de ódio e conflito.
Desde então muitas doenças foram vencidas, as guerras diminuíram, e a esperança de vida mais do que triplicou na maior parte dos países do mundo. Quando eu nasci, a notícia de que alguém completara 100 anos era manchete nos jornais. Hoje, para ser notícia, temos de nos esforçar um pouco mais, e alcançar pelo menos os 117.
Segundo Michio Kaku isso, ou algo muito semelhante a isso, irá sem dúvida acontecer, na medida em que não ofende nenhuma lei da física. A questão, segundo ele, não é se irá acontecer, mas quando irá acontecer, e isso depende sobretudo da potência dos computadores.
Em 1949, a revista “Popular Mechanics” publicou um artigo no qual previa que “no futuro, os computadores não pesarão mais do que uma tonelada e meia”. Muita gente, lendo aquilo, achou a previsão incrivelmente otimista.
Dezesseis anos depois, Gordon Moore fez uma previsão que se revelou muito mais acertada do que a anterior e se tornou famosa com o nome equivocado de Lei de Moore: “a velocidade ou capacidade de processamento dos computadores tende a duplicar a cada dois anos”. Até aqui tem sido assim. Se essa previsão se mantiver, então o admirável mundo novo sonhado por Michio Kaku pode estar mesmo ao virar da esquina.
O triste paradoxo é que nunca estivemos tão perto da “imortalidade”, mas também nunca estivemos também tão próximos do grande final. É verdade que o número de conflitos armados no mundo diminuiu muito, em especial nas últimas décadas. O arsenal nuclear, porém, não diminuiu. EUA, Rússia, Reino Unido, China e França possuem armas nucleares. Suspeita-se que Israel também. O Irã está a tentar produzi-las. Não bastasse Putin, e restantes colegas de loucura, em breve o botão do fim do mundo estará também ao alcance de Donald Trump e tudo leva a crer que, dentro de pouco tempo, igualmente da senhora Le Pen. Não me parece um panorama nada tranquilizador. Ao perigo nuclear soma-se ainda o desastre ambiental.
A ciência que nos pode dar a “imortalidade” é a mesma capaz de nos destruir a todos. Talvez seja melhor investir mais em educação cívica, ética e ambiental e menos no desenvolvimento tecnológico — enquanto isso, sempre temos a cachaça e os ovos crus.
José Eduardo Agualusa
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