Sentada na porta de casa diante de uma montanha de conchas, Maria Cláudia da Silva, de 25 anos, separa com agilidade o sururu (molusco típico do Nordeste brasileiro) da sujeira que assola o mangue.
A catadora repete a atividade que a mãe, a avó e centenas de mulheres da Ilha de Deus, no Recife, fazem há pelo menos 50 anos.
Da comunidade que nasceu da ocupação de um manguezal na confluência de três rios (Pina, Jordão e Tejipió), o alimento segue para abastecer supermercados e restaurantes da cidade.
O trabalho é duro - "dá dor nas costas" e até "doença nas mãos", segundo a moradora - e rende apenas R$ 150 por semana. "Isso se catar uns oito baldes por dia."
Mas Silva não reclama. Diz que a situação já foi muito pior, e aponta para os três filhos, de dez, oito e quatro anos.
"Na idade deles, eu não podia brincar na rua porque era perigoso. Quando nem imaginava tinha um tiroteio. A gente morava em palafita. Para ir à escola, precisava tirar o sapato e atravessar a lama."
A trabalhadora se refere a um período em que a vila de pescadores, localizada no maior parque de manguezais em área urbana do país, era mais conhecida como "Ilha sem Deus".
Naquela época, criminosos aproveitavam o isolamento e o abandono do lugar para se esconder. Logo, o tráfico de drogas se instalou. Na fase mais crítica, entre as décadas de 1980 e 1990, a comunidade chegou a registrar um homicídio por semana.
A situação começou a melhorar à base de conscientização política e organização. Com a ajuda de missionários religiosos, moradores passaram a cobrar atenção do poder público e serviços básicos, como água e iluminação.
Em 1986, construíram uma ponte de madeira ligando pela primeira vez a ilha ao "resto do mundo". Antes, o acesso só era possível de barco.
A passagem de 216 metros de extensão foi refeita em concreto em 2009, em obra do governo do Estado. A ponte Vitória das Mulheres, referência à forte liderança feminina na comunidade, também é um marco da urbanização da Ilha de Deus.
Hoje, as palafitas da ilha deram lugar a casas de alvenaria, as ruas de lama receberam asfalto e saneamento. Já a violência tem recuado diante de ações de transformação social, que vão de revitalização ambiental a programas de educação, comunicação e poupança comunitária.
Além de propiciar condições de vida mais dignas, os projetos inseriram a ilha entre os pontos turísticos da capital, com direito a albergue e rota exclusiva de catamarã.
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