domingo, 11 de dezembro de 2016

A sociedade puxa as mudanças

auto_newtonsilva
A pergunta teima em mexer com a consciência dos mais indigna­dos: pode-se, afinal, esperar por um processo de depuração da vida parlamentar sob o empuxo da Operação Lava Jato, o maior processo de investigação da história brasileira? Ou será que a crise institucional que abala a imagem dos Poderes da República não provocará mudanças nos padrões funcionais e nos costumes dos protagonistas da política? Magistrados de alto coturno darão um basta às estocadas recíprocas como as que vimos nos últimos dias? Continuarão a se manifestar fora dos autos em matérias que estão julgando? Os nossos representantes despertarão de sua letargia e adentrarão firmes e determinados no território da reforma política?

A resposta, convenhamos, é complexa e, de pronto, esbarra na lição de Maquiavel: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxi­to ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucra­riam com a nova ordem.” Sejamos realistas. A crise, como se sabe, é uma chave que abre oportunidades, mas, convenhamos, em se tratando de Brasil, as coisas não são bem assim. Demoram a mudar.

São poucos os reformadores que habitam a seara parlamentar e a grande maioria luta para lucrar com a manu­tenção de velhos métodos. O fisiologismo está em seu DNA. Entre os que apregoam mudanças, uns apontam para medidas pontuais e momentâneas, cujo escopo não abriga a matriz das mazelas (o patrimonialismo), e outros nem sabem por onde se chega ao caminho dos avanços.

Os traços no horizonte

O que, nesse momento, se pode divisar no horizonte? Ligeiros traços. O primeiro mostra que as cores do espectro político não são mutantes, ou seja, a grave crise político-institucional será seguida de outra. As placas tectônicas se acomodam durante um tempinho até que ocorra novo terremoto. O segundo sinal aponta para o abismo entre o cidadão e os políticos. Mas isso não deve ser entendido como alienação. Ao contrário. Indignado, revoltado, o brasileiro de todas as classes refugia-se em seus núcleos de referência- associações, grupos, movimentos – formando cadeias de força que, mais adiante, encherão as urnas com votos surpreendentes. Dedução: no meio do pântano nascem flores. O lamaçal da política acaba criando um antídoto contra as impurezas. A sociedade cidadã adquire muita força.

A imagem do cabo de guerra serve para caracterizar nosso estágio civilizatório. De um lado, vêem-se grupos cívicos puxando o cabo na direção do futuro; de outro, braços contrários tentam jogar o país no buraco do passado. A imagem de Sísifo, o personagem mitológico que não conseguia depositar a pedra ao topo da montanha, vem a calhar. O Brasil não quer conviver com este flagrante. A limpeza das manchas da paisagem; a condenação e a prisão de poderosos; a assepsia geral na política; a transparência em contratos públicos; a melhoria de serviços; o zelo, a disciplina, a meritocracia, a rapidez no atendimento, o planejamento – essas são as tintas da paisagem vislumbrada pelos cidadãos. Portanto, a ilustração que se quer não é a de Sísifo fracassado, mas a de um caminhante corajoso que consegue realizar seu feito.

O que se pretende é afastar, de uma vez por todas, a imagem do eterno retorno. A repetição do maçante exercício de expectativas frustradas brutaliza os instintos do corpo social. Basta de patinar no mesmo lugar. É mais do que hora de aliviar o peso sobre os nossos ombros. O ciclo de banalização de escândalos por que passa o País faz sumir a confiança nas instituições. Urge resgatar a alma da Nação, o amor à Pátria, o sentimento de inclusão e de identificação com os símbolos nacionais, o orgulho de pertencimento a uma sociedade que clama por padrões éticos e mo­rais. E assim dá para ver a esperança renascendo, aqui e ali, ainda em conta-gotas, sob o empuxo de denúncias e investigações que invadem espaços na mídia. Todas as camadas – com acesso à TV e ao rádio – enxergam os dejetos que escorrem da arquitetura política.

A força das ruas

As conexões entre pessoas e grupos colaboram para produzir o milagre da natureza: flores nascendo no meio do lamaçal. A zika que assola os habitantes dos Poderes acende, por sua vez, os sistemas de alerta dos cidadãos. A conscientização social se eleva, impulsionando um poder centrípeto (a força das ruas) que fustiga o poder centrífugo – este que agrega os três Poderes do Estado. A pressão das margens sobre os poderes centrais acaba forçando protagonistas da política a mudar comportamentos e atitudes. O clamor das galeras passa a ser ouvida.

Cristaliza-se a convicção de que a desobediência às leis e a infração a valores morais e princípios éticos nascem e se desenvol­vem na roça dos próprios autores das leis. Mas o contrassenso é recebido com apupos, agitando ânimos e disparando mecanismos de repúdio. Críticas correm para cima, para baixo e para os lados. A rebelião contra a velha política é generalizada.

Portanto, da percepção aguda de que está sempre vendo as mesmas coisas e da observação de que os tonéis da corrupção estão cheios até a boca, o brasileiro extrai a argamassa que aumenta sua descrença no sistema político. Os fatores se somam: escânda­los em profusão, repercussão na mídia, impunidade, corporativis­mo. A repulsa se expande.

As redes sociais ganham volumosa expressão de contrariedade. O fenômeno das flores do pântano é o alento da alma cívica.

Por último, vale lembrar o preceito da ciência política pelo qual as grandes mudanças da História são produzidas quando os favorecidos e apaniguados do poder não têm a capacidade para transformá-lo em for­ça, enquanto os que dispõem de pequeno poderio aproveitam essa capacidade ao máximo para convertê-la em força crescente. É o que estamos começando a ver por nossos trópicos. Se é mínima a vontade do andar de cima para dar um passo mais arrojado, sobra disposição do andar debaixo para um caminhar ligeiro. No jogo de xadrez, o peão, às vezes, tem mais força que o bispo.

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