Escolher prioridades é o que fazem o tempo todo os governantes em todos os níveis, desde o prefeito de um pequeno município até governadores, ministros e o próprio presidente da República. Quando acertam na escolha são aplaudidos, quando erram são execrados e até perdem suas posições, como aconteceu recentemente no País.
É nestas situações que emergem líderes com visão de estadista, como já tivemos no passado, e demagogos, como também já tivemos.
A PEC do Teto limita os gastos públicos no seu conjunto, sem especificar quais setores serão preservados. Mas é evidente que os recursos destinados a educação e saúde não poderão ser reduzidos, por duas razões. Em primeiro lugar, porque já são hoje, de modo geral, insuficientes e, em segundo, porque gastos nessas áreas não podem ser postergados. Fazê-lo no caso de saúde pode significar deixar pacientes morrer. Na educação, não se pode “hibernar”, como fazem os ursos no inverno nas regiões frias do globo. Se as crianças não forem alfabetizadas aos 7 anos de idade, correm o sério risco de se tornar analfabetas reais ou funcionais pelo resto da sua vida. Se não aprenderem matemática, ciências naturais e humanidades, não serão preparadas para o mercado de trabalho.
Há outros setores, em compensação, nos quais os investimentos, e até a manutenção, podem ser adiados e reprogramados, como é o caso de estradas, portos, aeroportos, conservação de edifícios e até aumento de salários. As escolhas podem ser difíceis e existem inúmeras reivindicações de todos os setores que se consideram prioritárias, apesar de algumas delas representarem demandas corporativistas.
Outros projetos, porém, não podem ser interrompidos, a exemplo do que acontece com a saúde; o governo precisa identificá-los com clareza e dar-lhes a atenção devida. Cortes lineares em todas as atividades não fazem sentido, isso é o que diferencia governantes lúcidos de burocratas de plantão.
Um dos casos que não admitem esse tipo de corte indiscriminado é a área de ciência e tecnologia, praticamente ausente das discussões no nível federal.
O que é mais importante: desenvolver a área espacial ou a produção de energia nuclear? Quais as melhores políticas e ações que poderão reduzir as emissões de gases que provocam o aquecimento global? Esses são exemplos das questões que precisam ser discutidas.
Ciência e tecnologia jamais tiveram tanto impacto na vida da humanidade como no século 20. Esse foi o “século de ouro”, em que inúmeras doenças foram eliminadas, a eletricidade foi estendida a todos os cantos da Terra, a população cresceu extraordinariamente e a vida média das pessoas subiu de 35 para 70 anos. Rádio, televisão e internet foram desenvolvidos e são agora usados em todos os pontos do planeta. Ferrovias, automóveis, caminhões e aviões revolucionaram a área de transportes.
Discute-se hoje ativamente se esse “século de ouro” acabou e se novas descobertas e progressos tecnológicos não serão feitos para permitir não só melhorar a qualidade de vida, mas eliminar também o subdesenvolvimento. A revolução no setor de informática é uma das áreas em que isso já está sendo realizado.
O que é preciso entender, portanto, é que o progresso na ciência e tecnologia é um processo contínuo, que precisa ser alimentado o tempo todo, tal como o oxigênio do ar que respiramos e nos mantém vivos. Nessa área não é possível “hibernar”.
É a exigência de continuidade que distingue ciência e tecnologia de outros setores. Seus resultados podem aparecer somente em longo prazo, mas podem ser fundamentais na eliminação de doenças ou no aumento da produtividade econômica.
O imediatismo não existe nessa área e governos esclarecidos já se convenceram disso há muito tempo. Apenas para dar um exemplo, essa é a razão por que o assessor de ciência e tecnologia do presidente dos Estados Unidos (entre os inúmeros assessores) tem o seu escritório na própria Casa Branca, sede da Presidência da República. Além de aconselhar o presidente e o seu Ministério em assuntos de ciência e tecnologia, o assessor especial nos Estados Unidos também tem a missão de coordenar todos os esforços dessa área desenvolvidos nos diversos órgãos da administração federal.
Foi pela mesma razão que Josef Stalin, na União Soviética, deu status especial aos cientistas – incluindo dissidentes políticos, como Andrei Sakharov – que tiveram um papel especial em levar o país à vitória na 2.ª Guerra Mundial. É por isso, ainda, que em países como o Reino Unido todos os ministérios têm um “cientista chefe”.
Na escolha de estratégias de desenvolvimento econômico no nível mais alto de governo, ciência e tecnologia precisam estar presentes o tempo todo, apontando os melhores caminhos a seguir e suas consequências. Essa é a razão para preservar o apoio a essas atividades em condições normais, especialmente em tempos de crise.
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