O candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, pode dizer que o atual presidente, Barack Obama, nasceu fora do país e não acontece nada? Pode o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmar descaradamente que há uma conspiração mundial contra ele sem que sua cara caia de vergonha? Pode Mariano Rajoy negar uma e outra vez a existência do resgate europeu para a Espanha? Pode o ex-líder do Podemos Juan Carlos Monedero dizer que a ascensão de seu partido nas eleições europeias de 2014 forçou a abdicação do rei Juan Carlos e tudo bem? Os líderes do independentismo catalão podem afirmar que fora da Espanha permaneceriam na União Europeia sem que ninguém os coloque em seus devidos lugares? Podem os partidos de extrema direita europeus afirmar que os refugiados que fogem das guerras da Síria e do Afeganistão são terroristas emboscados e seus seguidores acreditam neles? Infelizmente, sim.
O populismo, de direita, de esquerda ou puramente nacionalista, começou há muito a faltar com o respeito à realidade e conseguiu crescer na base de falácias que servem para cumprir seu objetivo de chegar ao poder ou permanecer nele. De nada vale que Obama apresente sua certidão de nascimento, que os venezuelanos expressem seu desejo de liberdade, que as contas do Estado incluam o resgate financeiro da Espanha, que a história demonstre que a preparação da abdicação do Rei começou meses antes de o Podemos se apresentasse às eleições, que Bruxelas afirme que a Catalunha fora da Espanha será excluída da EU, ou que as fotos da tragédia e da indignidade demonstrem que as centenas de milhares de refugiados não vêm para a Europa para matar, mas para evitar morrer.
A verdade é incompatível com o populismo, que floresce ajudado pelos novos canais criados em torno da Internet. Centenas, milhares de ativistas, lançam suas mensagens em jornais digitais, blogs e, acima de tudo, contas em redes sociais como uma marreta batendo uma e outra vez contra a realidade, até que conseguem destruí-la.
A intimidação digital é, hoje, uma profissão de futuro intimamente ligada aos movimentos populistas de um lado e de outro. As hostes do Podemos, ou dos independentistas, partem para o combate nas redes sociais quando recebem o mandato para atacar impiedosamente um político, um jornalista, um líder de opinião ou um cidadão comum que ousou criticar um dos seus líderes, ou que simplesmente pensa de forma diferente do que eles. O insulto, a calúnia e a mentira são as armas usadas para destruir o contrário, na maioria das vezes a partir de um anonimato covarde no qual vale tudo.
A mentira não é patrimônio exclusivo da política. Os meios de comunicação também sucumbiram à sedução
Por outro lado, o nacionalismo espanhol mais rançoso também aderiu à difamação nas redes sociais. Já na campanha para as eleições municipais distribuíram documentos falsos sobre as intenções de alguns dos candidatos às principais prefeituras da Espanha. Falou-se de transformar clubes esportivos em fazendas-escola ou bobagem semelhante. E, recentemente, ativistas da mais antiga caverna lançaram a mentira descarada de que o jogador de futebol catalão Gerard Piqué tinha cortado as mangas da camisa da seleção nacional para remover a bandeira da Espanha. De nada serviram as explicações e as fotos que mostram que a camisa de manga comprida não tem a bandeira. O mal já estava feito. Mais uma vez, uma mentira repetida muitas vezes (infinitas, com a ajuda das redes sociais) se transformou em verdade e em arma a ser lançada contra seu inimigo.
Mas a mentira não é patrimônio exclusivo da política. Muitos meios de comunicação também sucumbiram à sedução de criar uma realidade que sirva aos seus interesses. Não todos, é claro; como nem todos os políticos, sociólogos e historiadores se deixaram levar pela atração fatal da falácia (argumento que parece válido, mas não é).
A irrupção da Internet no jornalismo provocou danos irreparáveis a uma profissão já duramente atingida pela crise econômica e pelas pressões dos poderes públicos e econômicos. A essência de um bom jornalista pode ser definida como buscar uma notícia, comprová-la, avaliar se é relevante e torná-la uma história bem contada. Embora nesses quatro passos que parecem simples seja muito fácil desrespeitar a verdade, que é o princípio fundamental de um bom informador.
A Rede é um canal infinito e histérico que submete o jornalista a uma pressão infernal. Trabalhei alguns anos em agências de informação onde se dizia que as notícias queimavam nas mãos e que deviam ser divulgadas o mais rapidamente possível; mas isso nunca era feito sem antes comprová-las com as três fontes obrigatórias. No mundo da Internet, as notícias não queimam, explodem. E muitas vezes, demasiadas, são publicadas sem o nível de comprovação suficiente: ou seja, sem confiabilidade (isso, sem contar as notícias publicadas com a ciência de que não são verdadeiras). Do jornal digital passam às redes sociais e, destas, a outros meios de comunicação que as retroalimentam como se as tivessem comprovado.
Ninguém está isento dessa febre provocada pelos acessos, pelos usuários únicos e pela dura concorrência. Assim, muitas vezes as manchetes são distorcidas para obter mais leitores, convertendo-as numa paródia do que realmente diz a notícia. Depois são tuitadas, retuitadas, os comunicadores de rádio e televisão as comentam, os debatedores tiram proveito, e colunistas a invertem... No final, a verdade, se é que houve algo em sua origem, vai se esmigalhando pouco a pouco, transformando a notícia num quebra-cabeça mal montado com figuras disformes.
Infelizmente, a cotação do quilo de verdade está em baixa no mercado.
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