Os homens, sempre mais dispostos ao pecado, já não se cuidavam tanto. Ou antes, cuidavam mais do corpo do que da alma. Iam para a praia, para o banho de sol, os mergulhos, o jogo de bola. Só chegavam mesmo — e invariavelmente atrasados na hora do almoço. Vinham ainda úmidos do mar e passavam a correr pelo lado da casa, rumo ao grande banheiro dos fundos, para lavar o sal, refrescarem-se no chuveiro frio, excelente chuveiro, que só começou a negar água do Prefeito Henrique Dodsworth pra cá.
De repente aquilo que Vovô chamava de “ouviram do Ipiranga as margens plácidas”. Era o grito de Eulália, que passava da copa para o caramanchão, sobraçando uma fumegante tigela, primeiro e único aviso de que o almoço estava servido. E então todos se misturavam para distribuição de lugares, ocasião em que pais repreendiam filhos, primos obsequiavam primas e o barulho crescia com o arrastar de cadeiras, só terminando com o início da farta distribuição de calorias.
Impossível descrever os pratos nascidos da imaginação da gorda e simpática negra Eulália. Hoje faltam-me palavras, mas naquele tempo nunca me faltou apetite. Nem a mim nem a ninguém na mesa, onde todos comiam a conversar em altas vozes, regando o repasto com cerveja e guaraná, distribuídos por ordem de idade. Havia sempre um adulto que preferia guaraná, havia sempre uma criança teimando em tomar cerveja. Um olhar repreensivo do pai e aderia logo ao refresco, esquecido da vontade. Mauricinho não conversava, mas em compensação comia mais do que os outros.
Moças e rapazes muitas vezes dispensavam a sobremesa, na ânsia de não chegarem atrasados na sessão dos cinemas, que eram dois e, tal como no poema de Drummond, deixavam sempre dúvidas na escolha.
A tarde descia mais calma sobre nossas cabeças, naqueles longos domingos de Copacabana. O mormaço da varanda envolvia tudo, entrava pela sala onde alguns ouviam o futebol pelo rádio, um futebol mais disputado, porque amador, irradiado por locutores menos frenéticos. Lá, nos fundos os bem-aventurados dormiam em redes. Era grande a família e poucas as redes, daí o revezamento tácito de todos os domingos, que ninguém ousava infringir.
E quando já era de noitinha, quando o último rapaz deixava sua namorada no portão de casa e vinha chegando de volta, então começavam as despedidas no jardim, com promessas de encontros durante a semana, coisa que poucas vezes acontecia porque era nos domingos que nos reuníamos.
Depois, quando éramos só nós — os de casa — a negra Eulália entrava mais uma vez em cena, com bolinhos, leite, biscoitos e café. Todos fazíamos aquele lanche, antes de ir dormir. Aliás, todos não. Mauricinho sempre arranjava um jeito de jantar o que sobrara do almoço.
Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)
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